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A pauta que eu não cumpri

No dia da inauguração do bumbódromo levei um beliscão do Governador Amazonino Mendes. Depois ele me enviou um recado escrito

Ilustração do livro conversa pra Boi dormir, de Mário Adolfo 

Junho de 1988. Era o ano da inauguração do Bumbódromo. Estava lá na Ilha, correndo atrás das matérias, quando recebi o recado dado pelo fotógrafo Issac Amorim: “É pra ti ligar pro Mário Monteiro. Urgente”.

Mário era o editor de Cidade do Em Tempo. “E se o Mário está com pressa, é porque vem pepino por aí”, pensei. Corri para o orelhão mais próximo e liguei a cobrar. Depois da longa espera – coisa comum nos telefones das redações –, o editor atendeu.

– Bicho, tô com uma missão espinhosa pra ti. Acha o Amazonino de qualquer jeito, e pergunta sobre o possível afastamento do Manuel Ribeiro da Prefeitura de Manaus.

– Afastamento como, rapaz?

– É verdade. O Amazonino fez uma intervenção na prefeitura e o Manuel Ribeiro vai ser afastado por improbidade administrativa.

– Mas Mário Monteiro, são sete da noite, onde eu vou achar o Amazonino agora? Daqui a pouco começa a festa e lá ele não fala, de jeito nenhum. Tenho absoluta certeza.

– Te vira, bicho. O homem está aí e é só você pode fazer isso!

Desliguei e corri pro hotel para tomar banho e mudar de roupa. Falei pro Isaac que ia tentar, mas não garantia nada. Amazonino, que estava no primeiro mandato, estava decidido a detonar o prefeito por causa de uma rixa que se arrastava desde o processo de indicação ao governo. Ribeiro alimentou o sonho de ser ele o candidato.

Mas Amazonino foi estratégico e ganhou a indicação de Gilberto Mestrinho. Agora, com Amazonino no governo e Manuel Ribeiro na prefeitura, o racha estava ainda maior.

A gota d’água ocorreu no dia em que o prefeito inaugurou um edifício-garagem que custou uma nota preta e acabou se transformando na pedra do seu sapato.

Estrategista até a alma, o “Negão” fez tudo em silêncio e foi embora para Parintins inaugurar a sua grande obra: o bumbódromo.

Por volta das 8h30, chega o governador, de calça branca de linho e camisa amarela. Estava acompanhado do prefeito de Parintins, Gláucio Gonçalves. Fogos, discursos, flash espocando, câmeras acompanhando o movimento do governador, gravadores empunhados, empurra-empurra, centenas de jornalistas. A entrevista gira em torno das perguntas de praxe.

– Qual o valor da obra?

– Qual a capacidade?

– Parintins agora é a porta do turismo no Amazonas?

Num esforço tremendo, consigo chegar perto do governador, que, àquela altura, já estava derretendo de suor. Estico o gravador em sua direção e pergunto:

– O afastamento do prefeito Manuel Ribeiro é uma vitória sua?

Amazonino me olhou, fez a cara mais cínica do mundo e tascou um beliscão na minha costela.

– Pô! – resmunguei, enquanto o governador se retirava, dando a entrevista por encerrada. Depois, lá da Tribuna de Honra (na época, o bumbódromo não tinha camarote), ficou rindo da minha cara. Mais tarde, o então secretário de Comunicação, Humberto Silva, trouxe um recado do governador, escrito num pedaço de guardanapo de papel.

– O Amazonino mandou pra você!

Abri rápido o papel. E lá estava escrito:

“Em festa, não se deve falar em problemas”.

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