Um dos jornalistas que estão no EM TEMPO desde desde a sua fundação, em 6 de setembro de 1987, o Mário Adolfo fala nesta longa entrevista à jornalista Ana Luiza Santos, como foi a luta diária para consolidar o jornal criado pela jornalista Hermengarda Junqueira e o empresário Marcilio Junqueira. Até trocar de dono, com a compra do matutino pelo empresário Otávio Raman, em 2007, o EM TEMPO teve um editor de polícia assassinado por dois policiais, condenou escândalo de obras faturadas na Câmara Municipal na gestão do presidente Cesar Bonfim, inovou na design gráfico, na aplicação de fotografias e investiu nas grades reportagens. Nessa conversa, Mário Adolfo (que detém dois prêmios Esso, o Prêmio CNI, Revista Ecologia, Caixa Economica, e Massey Fergunson) avalia que apesar da crise por que vem passando, o jornal impresso não vai acabar. “Só precisa se reinvintar”.
— Quando estive na Diretoria de Redação do EM TEMPO, ate ano passado, insistia em dizer (e insisto até hoje) que o caminho do jornalismo impresso ainda é a grande reportagem. A reportagem investigativa, que os blogs e portais não tem tempo para correr atrás, pois precisam sair na frente, assim como o radio e a TV.
Entrevista a Ana Luiza Santos
— Como foi o início de sua trajetória no jornal?
Mário Adolfo – Estou no EM TEMPO desde o número zero. Em setembro de 1987, fui chamado pela então diretora executiva do EM TEMPO, jornalista Hermengarda Junqueira, depois de uma greve no jornal A Crítica, onde eu trabalhava desde 1976 (ano que entrei na UFAM para cursar Jornalismo). Não só eu, mas uma redação quase completa, com nomes como Mário Monteiro, Flávio seara, Isaac Amorim, Manoel Lima, Carlos Dias, Gil (colunista), Mônica Maia e outros. O EM TEMPO era um desafio, um jornal diferente, pela diagramação arrojada e proposta editorial. O lema era que a notícia sempre tem dois lados, às vezes até três. Depois tínhamos a obrigação de sobreviver à “maldição” que os concorrentes jogavam sobre o jornal – “Esse não dura seis meses”(risos). E cá estamos, chegando aos 30 anos. Com muita luta, diga-se!
— Quais funções desempenhou?
Mário Adolfo – Entrei como repórter. E mesmo já tendo conquistado meu primeiro Prêmio Esso, em 1984 (em A Crítica), e trabalhado há 11 anos como reporter e editor internacional, o então diretor de redação da época, jornalista Carlos Honorato (que viera do Correio Braziliense) me deu um salário de “foca”, com um argumento, digamos, desanimador – “Eu nem sei se você sabe escrever”. Engoli seco e fui à luta. Ele me deu uma pauta de polícia, sobre uma mãe que espancou o filho até quebrar seu braço. Fui lá na comunidade, muito pobre, e descobri que antes de ser a vilã, a mulher era uma vítima de sua própria situação. E comecei o texto dizendo que o drama dela não começava no espancamento da criança, mas no abandono pelo marido, no desemprego, na fome, no desespero. E aí o Honorato leu e disse: “É, parece que você sabe escrever mesmo”, mandou reajustar meu salário e me promoveu a repórter especial. Antes saímos pra tomar um choppe (risos). Dois meses depois lancei o suplemento infantil CURUMIM, personagem criado por mim ainda em A Critica.
No prazo de dois anos, o jornal mergulhou na crise do Plano Cruzado, no governo Sarney, e as coisas ficaram complicadas. Perdemos muitos profissionais e, com a redação reduzida, a Menga e o Marcilio Junqueira (Diretor presidente) reordenaram os cargos pra gente sobreviver, tocando o barco devagar, mas tentando não perder a qualidade. Assumi a função de Editor de Opinião, assinando o Bom Dia (a coluna de opinião da época), desenhava os quadrinhos, a charge e ainda sobrava tempo para fazer uma página de humor chamada Candiru, “o jornal de maior penetração”, que saia aos domingos e me rendeu alguns processos. Nem sei onde eu ia buscar tanto gás. Depois, com a saída do jornalista Paulo Castro, assumi a capa e o cargo de Editor Assistente. Em seguida Editor Executivo e no ano seguinte Diretor de Redação, cargo que permaneci até 2016. Hoje escrevo a CONTEXTO, na página 3 e continuo editando o CURUMIM.
— Que momento marcou sua experiência dentro do jornal?
Mário Adolfo – Muitos momentos marcaram nossa vida profissional no EM TEMPO. O escândalo de obras superfaturadas na Câmara de Vereadores, na gestão do presidente, vereador Cesar Bonfim (PFL) é um exemplo. Com a série de matérias que publicamos, ele se irritou,foi para a tribuna e chamou o jornal de “vagabundo”. Abrimos a manchete desse jeito: “Vereador chama Em Tempo de jornal Vagabundo”. Continuamos investigando o caso, apesar das ameaças e acontecimentos perigosos, como tiros no muro da casa do vereador Francisco Praciano (PT), o incêndio de seu Fiat, na madrugada, e telefonemas com ameaças de morte. Mas, no final ele foi cassado. Também cobrimos e desvendamos o assassinato do nosso editor de policia, em 1988, Luiz Octavio, morto por policiais porque sabia demais. Enfrentamos algumas barras, como a tentativa de dois policiais armados em invadir a redação, para empastelar a edição. Mas eles encontraram a Hermengarda pela frente, que se posicionou, acompanhada por toda a redação, na porta do jornal e eles recuaram.
— Existe um fato/momento que tenha consolidado o jornal no mercado?
Mário Adolfo – Esses episódios que acabei de narrar, de certa forma, alavancaram o nome do jornal. Nunca fomos panfletários, nunca ofendemos a honra de ninguém, mesmo os acusados sempre tiveram direito a defesa – coisa que não era comum na época, pois só publicavam um lado da noticia. Elogiamos até governos, quando eles mereciam, e fizemos críticas ácidas, quando necessárias. Nunca vendemos a alma do jornal em troca do vi metal. Sem dúvida, o EM TEMPO inaugurou uma nova forma de fazer jornal na Amazônia. Fomos pioneiros em lançar uma diagramação leve, explorando espaços em branco para destacar a ilustração, num projeto arrojado do premiadíssimo Tide Hellmeinster (o mesmo designer do Jornal da Tarde), que às vezes trazia apenas uma palavra na manchete em caixa alta, que também era novidade. Fomos o primeiro a lançar um Segundo Caderno com pauta de Cultura – antes, assuntos tipo shows, espetáculo de dança, exposições, entrevistas com artistas saiam em Cidades. E fomos, também, o primeiro jornal a lançar um Caderno de Economia, para cobrir o Polo Industrial. O EM TEMPO também foi o primeiro em Manaus a sair todo colorido. Os outros jornais saiam com cores apenas na capa. Publicávamos também um roteiro da vida social da cidade, com agendas de shows, restaurantes, bares, peças de teatro, exposições, etc.
— É verdade que vocês tinham uma espécie de Ombusdman interno, no início do jornal?
Mário Adolfo – Sim, foi uma ideia da Menga. Ela lançou internamente O Carapuça, um boletim diário que era afixado no quadro da redação todas as segundas-feiras, e criticava o próprio jornal, apontando erros e premiando as melhores matérias e fotografias da semana. Dava muita confusão, mas era uma ideia genial, porque incentivava os profissionais a darem o seu melhor e tentar fica bem na fita, além, é claro, de tentar ganhar o prêmio que era em dinheiro (risos).
— Como o Em Tempo influencia a formação de opinião e profissionais?
Mário Adolfo – Costumo dizer que o EM TEMPO, por seu perfil moderno – tanto na fase da Menga como na fase do Otavio Raman –, é uma escola de jornalismo. Por sua forma diferenciada de tratar a noticia e pela qualidade de seus profissionais – alguns formados aqui dentro do jornal –, e pela feição gráfica arrojada. Já passaram por essa redação profissionais incríveis, como Carlos Honorato, Etelvina Garcia (editorialista), Mario Monteiro, Deocleciano Souza, Flávio Seabra, Elaine Ramos, Ignácio Oliveira, Paulo Castro, Carlos Dias, Isaac Amorim, Leleco Pazzuelo, Carlos Aguiar, Chico Pacífico, Gil, Eduardo Gomes, Jacira Oliveira, Margareth Queriroz, Aldenice Noronha, Wilson Nogueira, Sérgio Bartholo, Trícia Cabral, Carlos Aguiar, Manoel Lima, Warnoldo Maia, Simão Pessoa, Flávio Assen, Augusto Banega, Aldisio Filgueiras (que está no jornal até hoje), César Oiticica e tantos outros que eu possa ter esquecido.
— Quais os principais desafios do jornalismo impresso atualmente e quais as possíveis soluções?
Mário Adolfo – Acho que o jornalismo atual esta se reinventando. Ficou claro que a concorrência com a internet e desigual, porque o impresso vai continuar publicado a notícia de ontem, a notícia velha, enquanto que os blogs e portais publicam na hora. Mas o impresso não vai acabar. Quando estive na Diretoria de Redação do EM TEMPO, ate ano passado, insistia em dizer (e insisto até hoje) que o caminho do jornalismo impresso ainda é a grande reportagem, a reportagem investigativa, que os blogs e portais não têm tempo para corre atrás pois precisam sair na frente, assim como o radio e a TV. Provei isso, junto com o editor de Fotografia, Ricardo Oliveira, ganhando alguns prêmios nacionais. Os impressos, como têm mais tempo de apurar, podem publicar a informação mais precisa, apurada com mais cautela. Só pra lembrar, os grandes acontecimentos que mudaram a história desse país saíram de reportagens publicadas nos impressos – As Diretas Já, o doença do Tancredo, o escândalo Collor, PC Faria, os Anões do Orçamento, o Mensalão, a Lava Jato, as Pedaladas que derrubaram Dilma, etc. Então, o jornal impresso tem que sair do rame-rame do factual – que dentro de três minutos vai estar na rede –, e correr em busca de matérias que estão aí dando sopa e ninguém corre atrás. Afinal, estamos na Amazônia, o maior celeiro de notícias do mundo.
Reprodução da entrevista concedida ao EM TEMPO.