Um grupo de advogados brasileiros ligados ao bolsonarismo recorreu ao governo dos Estados Unidos com um pedido inusitado: que sejam aplicadas sanções ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o amazonense Beto Simonetti, sob a acusação de omissão na defesa de réus do 8 de janeiro. A iniciativa, além de controversa, escancara um esforço para internacionalizar disputas políticas internas e levanta questionamentos sobre soberania nacional e motivação ideológica. A matéria foi trazida pelo site Migalhas.
O documento enviado a Washington afirma que Simonetti teria sido conivente com violações de direitos humanos e cerceamento de defesa nos processos envolvendo os golpistas presos após os ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Os autores do pedido, entre eles nomes conhecidos por sua atuação em causas ligadas à extrema direita, alegam que a OAB falhou ao não tomar uma posição mais contundente em defesa dos acusados.
Vassalagem internacional
A tentativa de submeter um dirigente de entidade de classe brasileira ao crivo de uma potência estrangeira não só beira o surreal como fere princípios elementares da autonomia institucional. Trata-se de um gesto de vassalagem explícita, que ignora os canais internos legítimos para questionamentos e fiscalizações dentro da própria OAB.
A expectativa de que os Estados Unidos – país com seus próprios desafios em matéria de direitos humanos e sistema judicial – atuem como “árbitro” sobre a conduta de um presidente de entidade brasileira revela mais um movimento político do que jurídico.
Pedido sem lastro
A iniciativa também falha em termos legais e diplomáticos. Os EUA mantêm sanções internacionais, é verdade, mas geralmente em contextos de graves e sistemáticas violações de direitos humanos, genocídios ou regimes autoritários. Tentar equiparar a atuação de Simonetti – mesmo que questionável para alguns setores – a essas situações é desproporcional e juridicamente frágil.
Além disso, não há precedentes de sanções norte-americanas a presidentes de ordens de advogados por “omissão” institucional. Instituições como a OAB possuem mecanismos internos de controle, e qualquer queixa deveria seguir os trâmites previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
O pano de fundo bolsonarista
A ação contra Beto Simonetti ocorre em meio a um ambiente de tensão alimentado por setores bolsonaristas inconformados com decisões judiciais e a atuação institucional de entidades como a OAB. O próprio Simonetti, apesar de críticas veladas a ministros do STF em momentos pontuais, tem buscado preservar a imagem de independência da instituição, o que irrita segmentos mais radicais.
Tentar arrastar o nome do presidente da OAB para o centro de uma disputa internacional soa como retaliação política e tentativa de inflamar tensões já latentes entre Brasil e EUA, especialmente após rumores sobre revogação de vistos de autoridades brasileiras.
Soberania se resolve em casa
Se há insatisfação com a conduta de Simonetti, que se manifeste por meio do Conselho Federal da OAB ou da Justiça brasileira. Jogar essa disputa no colo de Washington revela mais sobre a dependência de certos grupos por “salvadores externos” do que sobre a gravidade das acusações.
A estratégia, além de ineficaz, expõe o desprezo de seus autores pela soberania nacional e pela maturidade institucional brasileira. Simonetti, que vem do Amazonas, estado historicamente esquecido nas altas rodas do poder, agora é alçado ao centro de uma ofensiva política que fala mais sobre os autores do pedido do que sobre ele próprio.