Um fato chamou bastante atenção no final de semana passado no município de Silves, interior do Amazonas. Lá aconteceria uma audiência pública com a população local para explicar o novo empreendimentoda empresa Eneva, que já explora o gás natural na região e é responsável por mais de 50% da energia elétrica hoje consumida em Roraima. Entretanto, a Justiça acabou suspendendo a reunião do dia 20 de maio por pedido da Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC).
Mas um detalhe em especial ganha destaque nesta decisão. A ASPAC enganou a Justiça para conseguir êxito judicial. Isso porque a associação fala, na petição, que a empresa não fez "a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas localizados na área de influência do empreendimento e afetados pelas medidas administrativas e legislativas".
Ocorre que não há terra indígena no arco de influência do local onde será construída a nova usina para exploração de gás natural. De acordo com a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Instituto Socioambiental (ISA), que mantém a maior base de dados sobre Terras Indígenas no Brasil, não existe qualquer terra indígena nem perto de Silves ou Itapiranga. Os dados são públicos e podem ser consultados pela internet.
A etnia Mura representa 65% da população indígena assistida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus, assim como mais 34 povos indígenas no total de 33.0000 (trinta e três mil) indígenas assistidos pelo DSEI/ Manaus.
O próprio Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado pela Eneva ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) durante o processo de licenciamento trata desta questão. O documento mostra que chegaram a ser identificadas algumas comunidades ribeirinhas em Silves, como as comunidades São João, Santa Luzia do Sanabaní, São Sebastião do Itapaní e Ituan. Em Itapiranga foi detectado um assentamento.
"Não serão diretamente afetadas pelo empreendimento", conclui o Rima, que não encontrou terras indígenas na região e tampouco cita esta presença no documento público que pode ser consultado no site do órgão. A conclusão do documento, a propósito, seria apresentada durante a audiência pública e poderia, inclusive, sofrer alterações, caso alguma entidade solicitasse.
O Rima é uma versão simplificada do Estudo de Impacto Ambiental – EIA que é exigido para o licenciamento ambiental dessa atividade.
A Audiência Pública serve para apresentar o Rima à população, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito do projeto/empreendimento proposto.
Surpreso com a decisão judicial, o Ipaam reforçou que todo o trabalho de licenciamento realizado pelo órgão obedeceu a legislação ambiental brasileira, visando o desenvolvimento sustentável do estado e com foco principal na preservação do meio ambiente e respeito às populações que vivem em áreas próximas à empresa.
Outro fato que evidencia que a Justiça foi enganada é que a Aspac afirma, na petição, que pouco se sabia sobre a realização da audiência pública em Silves. Entretanto uma postagem feita no dia 26 de abril, ou seja, um mês antes, mostra membros da associação reunidos para debater sobre o assunto.
O que está por trás?
O deputado estadual Sinésio Campos (PT) esteve em Silves no final de semana. Como presidente da Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), ele participaria da audiência pública, o que acabou não acontecendo e gerando grande confusão.
"Decidimos ir até a associação para conversar. Queríamos saber por qual motivo eles não queriam a audiência pública, que serviria exatamente para conversar e debater o assunto. Eu estava com o chefe do Ministério Público, o procurador-geral de Justiça Alberto Nascimento Júnior. Fomos muito mal recebidos por duas mulheres que se apresentaram como integrantes da entidade. Uma delas chegou a dizer que o grupo precisaria de uma ordem judicial para entrar. Mas sabemos que estão a serviço de grupos americanos", relatou Sinésio.
O deputado ainda afirma que chegou a convidar os representantes da associação para uma conversa de cortesia em seu gabinete na busca de um consenso. A reunião foi marcada para a terça-feira passada, 23/05. Ninguém da associação apareceu.
Enquanto isso, Jonas Mura, que também assina a Ação Civil Pública (ACP) responsável por barrar a audiência pública, reconhece "que tudo o que quer é uma compensação financeira".
Jonas Mura foi aliado do coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena em Manaus (Dsei Manaus), enfermeiro Januário Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e denunciado por favorecimento em contratações de aluguel de carros e compra de combustível para o Distrito, fraudes em processos seletivos, dentre outras.
Consultada sobre os pedidos de compensação financeira feitas por Jonas Mura, a empresa Eneva informou, assim como o Instituto Socioambiental (ISA), que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também já atestou não reconhecer qualquer área do povo mura no município de Silves ou nas proximidades.
O endereço fornecido por Jonas Mura na ação impetrada na Justiça é de uma comunidade que fica localizada há mais de 10 quilômetros do local onde a Eneva está instalada.