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Cartografia da Resistência e do Cuidado destaca territórios de matriz africana em Manaus

Iniciativa mapeia terreiros e templos afro-brasileiros, fortalecendo saberes ancestrais e ações de proteção ambiental

Foto: Divulgação

Um projeto de mapeamento iniciado em Manaus pretende tornar visível a atuação sociocultural e ambiental dos terreiros de Candomblé, Umbanda e templos de religiões de matriz africana da capital amazonense.

A iniciativa integra a Fase 1 do estudo Cartografia da Resistência e do Cuidado, desenvolvido em parceria entre o Atlas ODS Amazônia (Universidade Federal do Amazonas e Instituto Acariquara) e o Instituto Ganga Zumba, e que surge em meio ao movimento Amazônia de Cores e antecede o Balaio da Oxum, evento que é realizado em dezembro.

A ação também está alinhada ao recém-formulado Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 18 (ODS 18), voltado à proteção dos povos e comunidades tradicionais, que busca reconhecer os terreiros como agentes ativos de cuidado, cultura e justiça ambiental na Amazônia urbana.

Plataforma colaborativa de saberes e territórios
O estudo prevê a criação de uma plataforma digital de cartografia participativa, alimentada pelas próprias comunidades de terreiro.

O espaço reunirá informações georreferenciadas sobre localização, práticas culturais, impacto social e estratégias coletivas de cuidado.

Segundo o coordenador técnico do Atlas ODS Amazônia, Dr. Danilo Egle, o objetivo é produzir dados que sirvam de base para políticas públicas, pesquisas e ações de fortalecimento institucional.

“Estamos falando de territórios que cuidam, alimentam, acolhem e preservam saberes ancestrais em meio à cidade”, explica Egle.

As informações coletadas serão sistematizadas em relatórios públicos e painéis interativos, com previsão de lançamento da plataforma para o início de 2026.

Fé, memória e pertencimento
Além da parte técnica, o projeto inclui oficinas, rodas de conversa e escutas comunitárias com lideranças religiosas e moradores das áreas mapeadas.

As atividades garantem que os próprios terreiros conduzam suas narrativas e definam como apresentar seus territórios e modos de vida.

“Esse projeto nasce do nosso próprio chão, da nossa necessidade de existir com dignidade e sermos reconhecidos como guardiões de saberes, memórias e cuidados. Ao mapear esses territórios, estamos dizendo em alto e bom som que nossa presença importa", afirma o sacerdote do culto tradicional de Ifá e membro do Instituto Ganga Zumba, Donté Luiz de Badé.

Balaio da Oxum como referência
Entre os territórios que inspiram o projeto, eventos como o Balaio da Oxum, que chega aos 10 anos em 2025, se destacam como símbolos de resistência e fé coletiva.

Criado em Manaus, o Balaio surgiu como um ato de fé e resistência, reunindo povos de terreiro, comunidades tradicionais e movimentos sociais em torno da arte, da espiritualidade e da luta ambiental.

As pautas centrais do evento incluem a defesa dos rios amazônicos, o reconhecimento das águas como fonte de vida e a valorização das contribuições culturais dos povos de terreiro, conectando-se às agendas globais de sustentabilidade e espiritualidade.

“Sem a folha, não há vida nem orixá”
A sacerdotisa Agonjaí Nochê Flor de Navê, do Templo de Tambores de Mina Jejê-Nagô Xwê Ná Sin Fifá, destaca a importância de respeitar a visão ancestral presente em cada ação do Balaio.

“Colocar o olhar religioso e o olhar de pessoas negras é bem difícil. Por isso, é essencial falar sobre o respeito pela natureza, porque para nós, sem a folha, a gente não vive, não existe orixá", afirma.

“O Balaio é conduzido por essa casa. A gente joga, consulta e faz tudo isso para encaminhar as coisas. É o orixá que mostra o caminho”, completa.

Cuidar é resistir
O vínculo entre o Balaio e o projeto Cartografia da Resistência e do Cuidado reflete a essência das religiões afro-brasileiras: cuidar como forma de existir.

O estudo reconhece esses espaços como guardiões ambientais e culturais, essenciais à construção de cidades mais justas e sustentáveis.

A iniciativa aposta na articulação com políticas públicas e instituições acadêmicas, inclusive junto ao sistema ONU (Organização das Nações Unidas), para reforçar a pauta do reconhecimento das religiões de matriz africana como parte do patrimônio cultural imaterial da Amazônia urbana.

Uma agenda para o futuro
Ao adotar os parâmetros do ODS 18, o estudo contribui para consolidar uma agenda pública voltada à proteção dos territórios tradicionais e ao fortalecimento dos saberes ancestrais.

A expectativa é que, com a plataforma e os relatórios, surjam novas políticas que garantam segurança territorial, sustentabilidade e visibilidade às comunidades.

O Balaio da Oxum, com sua trajetória de uma década, simboliza o que o projeto Cartografia da Resistência e do Cuidado busca registrar: a persistência da fé, o poder da coletividade e a defesa da vida.

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