Imagine ser registrado com o nome de um ditador responsável pela morte de 6 milhões de pessoas. No Amazonas, um homem batizado como Hitler recorreu à Defensoria Pública Especializada de Registros Públicos para mudar o nome que lhe causava constrangimento. Ele ainda requereu a inclusão, em sua nova identificação, do povo e do clã indígena de origem.
O pedido foi aceito pela Justiça com base em direito garantido por lei e em jurisprudências. Agora ele tem o nome com o qual se identifica e sua história representa a de muitos, servindo como ponto de partida para esclarecer a sociedade sobre este direito.
As solicitações de mudança de nome são uma demanda relativamente expressiva na Defensoria. De janeiro de 2020 a outubro de 2021, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) ajuizou, por meio da unidade especializada de Registros Públicos, 152 processos solicitando alguma alteração de registro civil. Só no ano de 2021, foram ajuizados 85 processos.
Um destes processos foi o de Yura. Antes Hitler, após a decisão judicial para mudar de nome, ele passou a se chamar Yura Niwa Wani Ni-Nawavo Marubo Comapa Franco. “Agora trago o nome com o qual me identifico, o nome do meu povo”, afirma. Yura tem 41 anos, nasceu em uma aldeia em Atalaia do Norte (a 1.138 quilômetros de Manaus). É bacharel em Direito e funcionário público.
No caso específico dele, foi feita a alteração do prenome que causava constrangimento para o nome indígena, com sobrenome que identifica o povo de origem. Além disso, a pedido dele, a Defensoria solicitou a inclusão da identificação do clã a que ele pertence. Dessa forma, Yura Niwa Wani é seu prenome, que significa pessoa falante, comunicativa. Ni-Nawavo é o clã, “Marubo” é o povo e “Comapa Franco” o sobrenome original, que permanece.
Ele conta que a ideia de o registrar como Hitler foi do pai já falecido, que foi militar no período da ditadura no Brasil e que tinha empatia pela figura e história do ditador alemão. Depois de uma vida inteira sofrendo preconceito e agressões, decidiu proceder à alteração do nome que lhe trazia “uma profunda tristeza”.
“Além de ser índio, ainda tem esse nome horrível”, diziam a ele que, por mais de uma vez, teve que se defender de agressões físicas por isso. “Acabava criando para mim a imagem negativa que esse nome carrega e que era totalmente diferente da minha realidade, que é indígena”, afirma Yura, explicando que decidiu mudar de nome também por questões profissionais.
Para Yura, a alteração do nome traz vida nova. “O que a Justiça faz, à luz do Direito, com direitos previstos em lei, é devolver a vida, a dignidade da pessoa humana”, afirma. Ele avalia que sua história precisa ser mostrada para incentivar outros indígenas a ter coragem de assumir seus nomes de origem e para conscientizar a sociedade da importância desse reconhecimento.