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“O Amazonas é um país.” Por diversas vezes ouvi essa expressão e, apesar de já ter visitado o estado do índio Ajuricaba em muitas ocasiões, só fui entender o verdadeiro significado da já conhecida frase numa semana em que fui a trabalho, que era exatamente a semana que antecedia o carnaval de 2009.

Senti-me um gringo ao ver de perto a alegria do povo amazonense. Lembrei-me das viagens que faço ao Rio de Janeiro, quando zombo dos estrangeiros que, embasbacados, veem o febril requebrado das mulatas cariocas e a alegria do povo da Cidade Maravilhosa.

Procurei explicações e, em meio a um gole e outro, tentava criar teorias “científicas” com os companheiros de copo: “dizem que o sol ajuda na produção da melanina e esta deixa a pessoa mais animada.” E a linha do Equador? Chico Buarque já dizia – “Não existe pecado do lado de baixo do Equador…” Enfim, evidentemente, não conclui minhas teses, mas que a alegria reina naquela terra, isso é fato!

Após alguns dias de trabalho em Manaus, eu e um amigo que estava visitando a cidade pela terceira vez, resolvemos na quinta-feira, participar do Ensaio da Bica (Banda Independente da Confraria do Armando), bloco tradicional da cidade que sempre tem enredos hilários, dizendo aos políticos do estado o que a população pensa em dizer e não tem oportunidade (ou coragem). A banda faz alusão ao Bar do Armando, um Português, proprietário do estabelecimento desde a década de 70.

Naquela noite já estávamos bem à vontade, entramos no clima (que deve atingir 40 graus no interior do bar) e aproveitamos muito as marchinhas amazonenses que se alternavam com as marchas tradicionais. Pois bem, passamos a observar os “personagens” daquela noite que eram muitos e serviram de inspiração pra este texto.

Personagem número um: Montanha. Que figura caricata. Um baixinho que, além do apelido citado, possui ainda o pseudônimo de Mentira. Não pense você que é pelo fato de ele ser mentiroso (também o é), mas sim, por ter as pernas curtas. Certo, mentira tem perna curta. Ex-garçom do nostálgico Bar do Armando, Montanha foi demitido há dois anos, no entanto, não para de freqüentar o bar, recebendo ainda hoje 10% do consumo dos clientes (agora pagos em cerveja e sem contraprestação de serviços). Montanha ficou ainda mais conhecido com o enredo da BICA do ano de 2007 que dizia: “Armando deu a idéia e Dona Lourdes achou legal: Montanha, meu garoto, meu tesouro, Deputado Federal…” uma alusão aos “filhinhos de papai” que se elegem às custas da história política de seus queridos pais.

Personagem número dois: Cauby Peixoto. Como quem inspirou o nome, ainda não sei se era alguém do sexo masculino ou feminino. Sei que era uma figura de marca maior e chegou junto no meu sócio, querendo por tudo ser a Conceição dele que, educadamente, se esquivou e saiu cantando a música tema do ano: “então preste atenção onde mete a Bica…”.

Personagem número três: Delegado. Semelhança física incontestável com o “Seu Delegado”, o dançarino que faz coisas que aprendeu com Marcelino. É o Delegado da Mangueira que, no entanto, parecia mesmo um bacharel, protegendo meu companheiro de viagem das “más companhias” que surgiam para lhe bolinar.

Personagem número quatro: Quem? Maravilhoso. Chico Buarque de Holanda que, no caso em questão, era uma mulher de cabelos curtos, olhos claros, pele avermelhada. Não conversamos com “ele”, só que a semelhança era tamanha, que não tinha como escapar e sua presença aqui está garantida.

Personagem número cinco: Outro ícone. Raul Seixas. Tão porra louca quanto o vampiro doidão. Andava bem embriagada, mas sempre bem humorada. De vez em quando cantava um samba antigo. Em um episódio, confusão geral, uma mocinha bem magrinha, talvez um affair da “raulzita” ameaçou dar porrada nela e em quem se atrevesse a separar a briga. Admirável a coragem da moça, que devia pesar pouco mais de 40 kg. No fim das contas, não houve briga e saíram abraçadas, cantando: “O ciúme é só vaidade. Sofro, mas eu vou te libertar…”

Personagem número seis: Petronila. Não conversamos com ela, a incluo nesse texto por merecimento. Trata-se de uma senhora de uns 80 anos que é porta estandarte da BICA desde a criação da banda, há 23 anos atrás. Uma mulher muito longe dos padrões de beleza carrega o estandarte do Bloco que, segundo algumas pessoas (maldosas) é a maior concentração de pessoas feias de Manaus. A senhora Petronila vai todos os dias à missa na Igreja de São Sebastião, que fica ao lado do Bar do Armando e, ao sair da igreja, religiosamente, toma duas cervejas no bar do Português. Sai sempre sem pagar a conta e jamais foi cobrada por isso. Justo!

Personagem número sete: Charles Stones (nome verdadeiro), de apelido Charles 5 Estrelas, ex–garçom do Bar do Armando. Dizem as más línguas que o velho Armando viajou pra sua terra natal, deixando o Cinco Estrelas como preposto, gerenciando os negócios do português. Ao voltar da Europa, quando abriu o bar, o portuga soltou um sonoro “curalho”, afinal, não havia mais cascos e engradados de cerveja no bar. O Charles vendeu tudo e montou um bar. Pouco distante dali, o Bar Cinco Estrelas, na Av. Getúlio Vargas, é hoje conhecido como filial do Armando. Tem banda de carnaval e abriga os bebuns, órfãos de bar, quando o Armando baixa as portas e coloca os boêmios pra correr.

Conseguimos, em uma só noite, ser expulsos do Bar do Armando e da filial que nos acolheu tão somente até as três da manhã. Bota fora clássico, com direito a música do Jota Quest tocada no violão pelo próprio Charles (que recusou os insistentes pedidos de um bebum para que a noite se finalizasse com Chico Buarque – o original) e luzes apagadas. Alguma revolta, de alguns bebuns, demonstradas especialmente na atitude do Montanha que, ao receber a conta, a rasgou, sem titubear. Sem maiores motins os boêmios se recolheram. Fim de noite!

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