Nos anos 1990, o grupo amazonense Carrapicho colocou o boi-bumbá nas paradas internacionais com Tic Tic Tac. Na mesma época, coletivos como o Raízes Caboclas já destacavam a potência das tradições amazônicas na música brasileira. Três décadas depois, o quarteto Delírio Cabana dá continuidade a essa trajetória, apresentando uma nova leitura da sonoridade regional. Formado por Bruno Mattos, Gabriella Dias, Luli Braga e Nando Montenegro, o grupo lançou, no dia 17 de outubro, seu primeiro EP homônimo.
A gênese do projeto remonta a 2023, quando os quatro músicos viajaram de Manaus (AM) a Alter do Chão (PA). Durante duas semanas, hospedados em uma cabana, criaram, conviveram e experimentaram sons. Dessa imersão surgiu a “cabana” simbólica que hoje dá nome ao grupo — um espaço de vozes, ritmos e afetos traduzidos em seis faixas autorais.
“O EP recebe o nome da banda porque reflete memórias e emoções que viemos acessando desde o nosso encontro. Algumas composições antecedem a formação do grupo, mas mergulham em sentimentos que se sucederam daí, com nossas idas e vindas a São Paulo, Manaus, Santarém e Belém. Falam de saudade, desejo e liberdade, na perspectiva de quatro amigos migrantes que carregam lembranças dos rios e temperos de casa.”, afirma Luli Braga.
O EP abre com Tempero, já lançada como single, composta por Nando Montenegro. A faixa sintetiza a proposta do grupo: unir células rítmicas da música tradicional amazônica às camadas da MPB contemporânea, do pop e da música latina. Em seguida, Ânima explora a dualidade entre o feminino e o masculino, em uma mistura de brega e pop que dialoga com o conceito junguiano do arquétipo “ânima”.
Guaraná, escrita coletivamente, atravessa a madrugada e amanhece em ritmo de carimbó, com cordas de Caio Britto (violoncelo) e Diego Alessandro (violino). Gengibirra revisita o bolero-brega com teclados de Lucas Mesquita, enquanto Quando Você Vier (Tucumã) evoca a saudade em clima de xote, com a sanfona de Danilson Sampaio. O encerramento vem com Chove Não Molha, composição de Bruno Mattos que faz referência ao tradicional chorinho realizado às sextas-feiras no Lanche da Dona Glória, em Alter do Chão.
Os arranjos, assinados por Bruno Mattos, destacam a fusão entre instrumentos regionais e contemporâneos. A percussão é de Tércio Macambira, e os sopros, de Marcelo Martins (trompete), Francirbone (trombone) e Crhistofer Santos (saxofone). As vozes, divididas entre os quatro integrantes, criam as harmonias que caracterizam o som do Delírio Cabana.
A produção musical é de Lucas Cajuhy e Bruno Mattos, com Cajuhy também responsável pela gravação, mixagem e masterização. O produtor assina ainda a criação de beats que dialogam com a tradição percussiva amazônica.
O aspecto visual do trabalho acompanha o conceito sonoro. O ensaio é de Laryssa Gaynett e os visualizers foram dirigidos por Bruno Belch, com figurinos e adereços que traduzem a estética amazônica. O styling é de Hendryl Nogueira, com peças das marcas Yanciã Amazônia e Glitch, que valorizam o trabalho de artesãos locais e matérias-primas regionais.
Artistas
Cada integrante traz uma trajetória que fortalece o coletivo. Luli Braga, de Manaus, estreou com o álbum Sinuose (2020) e participou de festivais como SeRasgum (PA), Showlivre (SP) e Sou Manaus Passo a Paço 2025. Gabriella Dias, também manauara, é licenciada em Música pela UFAM e apresentou o espetáculo Canto das Águas no Teatro Amazonas, além de lançar o single Rio Negro Sazonal.
Nando Montenegro, radicado em Belém, é formado em Produção Musical e Canto Popular, e lançou em 2025 o EP RUMO. Também integra o trio Batuc Banzeiro, com passagens por eventos como TedX Amazônia e o Festival Vozes da Amazônia. Bruno Mattos, multi-instrumentista e arranjador, vive em São Paulo e atua em projetos com artistas como Luê, Liège e o mestre de carimbó Silvan Galvão.
Com apresentações já realizadas em Parintins, Alter do Chão, Manaus e São Paulo, o Delírio Cabana consolida sua identidade e marca presença no cenário fonográfico brasileiro. O grupo reafirma o papel da Amazônia como território de criação e inovação, onde tradição e contemporaneidade se encontram em um mesmo compasso.