(ARTIGO) - Diante dos sucessivos ataques que o governo Bolsonaro tem feito contra a Zona Franca de Manaus (ZFM), é necessário mais do que bravatas e falsos arrependimentos por parte dos representantes do governo, parlamentares e empresários do Amazonas.
É preciso um mínimo de coerência, a começar por uma profunda autocrítica política, especialmente em relação ao pleito de 2028, e na forma como conduziram a economia do estado até o presente.
A autocrítica política é necessária para reconhecer o erro do massivo apoio que emprestaram ao candidato Bolsonaro - o que lhe assegurou 70% dos votos de Manaus - mesmo sabendo que ele e o seu “posto Ipiranga”, o banqueiro Paulo Guedes, sempre disseram, ao longo da campanha, que eram contra a política de subsídios e apoios a projetos regionais, como a Zona Franca de Manaus (ZFM).
Assim, quando atacam a ZFM, estão apenas executando o que anunciaram. Não enganaram ninguém, sejamos justos, conforme já demonstrei em “Os falsos arrependidos”.
E o último ataque contra a ZFM é exatamente a profunda alteração na política de subsídios para o polo de concentrados de bebidas - de 20 para 4, com uma taxa temporária de 8% - o que determinará o fechamento dessa planta industrial na ZFM, com o agravante de que esse setor é um dos poucos que utiliza matéria prima regional, dentre eles o guaraná.
Por isso, a autocrítica política não pode se reduzir a bravatas. É cômodo manifestar preocupação com a Zona Franca e, ao mesmo tempo, dar integral apoio político aos algozes do modelo, inclusive apoiando as contrarreformas da previdência e trabalhistas, o congelamento de despesas públicas, e as anunciadas contrarreformas tributária – que sepultará, de vez, projetos tipo a ZFM – e de ataque aos servidores públicos, a quem o governo, jocosamente, chama de parasitas.
E a autocrítica econômica decorre da lassidão, comodismo e da mesmice com que sempre conduziram a economia do estado, apesar da razoável capacidade de investimento que o governo sempre dispôs.
Sem descuidar da defesa do modelo ZFM, é primário compreender que o estado não pode depender exclusivamente de um projeto estruturalmente insustentável, na medida em que tem profunda dependência do governo federal, como demonstro no meu livro Sustentabilidade: trilhas a percorrer. Nossa alternativa a curto prazo sempre esteve à vista: verticalizar a produção e agregar valor à matéria prima regional, especialmente pescado.
Infelizmente, mesmo experiências exitosas, tipo “bacalhau da Amazônia” e a política de agroindústrias que desenvolvemos na SEPROR, nunca foram sequer política de governo, quanto mais de estado, como demonstra o fechamento da fábrica de Maraã.
Todos os governantes do Amazonas, nos últimos 40 anos, adotaram, no fundamental, a mesma postura de lassidão e comodismo, com a breve exceção do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI), lançado no início dos anos 80, que era um programa de governo, não apenas de uma secretaria.
O PDRI tinha como objetivo essencial dinamizar a economia do interior e contemplava um conjunto de ações que buscavam dar respostas às diversas demandas reprimidas do setor primário, passando pela educação, regularização fundiária, crédito, assistência técnica, escoamento da produção e o necessário beneficiamento da nossa matéria prima, dentre outras metas.
O fato de ter sido lançado no final do governo José Lindoso, o último governador biônico da ditadura militar, talvez explique a falta de apoio e credibilidade que a sociedade concedeu ao programa, bem como a razão pela qual as suas ações foram interrompidas tão logo tomou posse o novo governador Gilberto Mestrinho, eleito em 1982 nos estertores da ditadura militar.
Desde então todo mundo se “preocupa” unicamente com a ZFM de Manaus e não esboça qualquer ação estruturante para desenvolver a economia amazonense a partir de suas potencialidades, que são extraordinárias.
As iniciativas experimentadas a partir de então foram pontuais e restritas a uma determinada secretaria – jamais foram políticas sequer de governo, quanto mais de estado - embora não se possa negar o mérito de pelo menos esboçar alguma iniciativa para o setor primário. Assim foi com o III Ciclo, o Zona Franca Verde ou o Amazonas Rural, os quais tiveram suas ações interrompidas com a troca de governo, demonstrando o caráter restritivo deles.
No meu novo livro Sustentabilidade: trilhas a percorrer eu dedico um capitulo inteiro discutindo as limitações do modelo Zona Franca, sob a ótica da sustentabilidade, e procuro demonstrar, além das alternativas que podemos lançar mão para dinamizar a economia amazonense, quais são as causas que, historicamente, restringiram a atividade produtiva no campo amazonense.
Se buscarmos a ciência, como ferramenta essencial para alavancar o nosso desenvolvimento, talvez encontremos mais fácil as saídas.