Diante das repetidas derrotas no Congresso Nacional, o governo federal iniciou uma reavaliação rigorosa das nomeações feitas por parlamentares aliados. A Secretaria de Relações Institucionais (SRI), atualmente sob o comando da ministra Gleisi Hoffmann (PT), conduz um levantamento detalhado sobre os cargos ocupados por indicações de deputados e senadores da base. O objetivo é reforçar a fidelidade dos aliados em votações estratégicas. No entanto, a movimentação tem gerado tensões dentro do Palácio do Planalto.
Segundo o jornal O Globo, a operação enfrenta resistências internas, especialmente porque a retirada de nomes pode comprometer ainda mais a já frágil relação do Executivo com o Legislativo. Para tentar reduzir os impactos, o governo tem optado por conversas diretas com lideranças partidárias, que frequentemente tentam preservar os indicados em seus respectivos estados. O Planalto busca evitar disputas fragmentadas entre deputados por cargos de influência em órgãos regionais.
Cargos herdados de bolsonaristas e fidelidade minguante - O pente-fino revelou que metade dos cargos federais nos estados ainda está sob o controle de indicados do governo Jair Bolsonaro (PL), ligados a partidos que hoje compõem a base de sustentação de Lula, ao menos parcialmente. A outra metade corresponde a nomeações realizadas no primeiro ano da atual gestão, quando a SRI era liderada por Alexandre Padilha (PT). No entanto, as alianças firmadas naquele período já não refletem o atual cenário político no Congresso.
Em algumas regiões, o governo identificou que os indicados estão hoje mais alinhados com governadores de oposição ou que o parlamentar responsável pelo nome apenas se comprometeu a apoiar o Planalto em metade das votações. Em tese, cada deputado da base tem direito a cerca de dez cargos em estruturas como a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Dnit, INSS, Dnocs, Codevasf e Incra — espaços cobiçados e frequentemente usados como moeda de troca.
Projeto da anistia acendeu alerta - O gatilho para a reavaliação foi a adesão maciça de parlamentares governistas ao requerimento de urgência para o projeto de anistia. Das 264 assinaturas, 146 vieram de deputados de partidos que possuem ministérios no governo Lula. A proposta ainda não avançou por pressão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mas o gesto escancarou a fragilidade da base aliada.
Entre os casos mais emblemáticos está o do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), responsável pela indicação de Marcela Campos para a superintendência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que gerencia o Metrô do Recife. Embora tenha indicado uma aliada à vaga, tanto Eduardo quanto seu filho, o também deputado Lula da Fonte, assinaram o pedido de urgência. Ambos não comentaram o caso, e a SRI tampouco se manifestou.
CPI do INSS amplia desconfiança - Outro sinal de alerta veio com as assinaturas favoráveis à criação da CPMI para apurar fraudes nos descontos de aposentadorias pelo INSS. Das 259 assinaturas, 132 partiram de integrantes de legendas como PSB, PSD, MDB, União Brasil, Republicanos e PP. Novamente, parlamentares com cargos no governo estiveram entre os apoiadores.
O deputado Pinheirinho (PP-MG), por exemplo, indicou nomes no Ceasa de Minas Gerais, ligado ao Ministério da Agricultura, mas também assinou a CPMI e o pedido de urgência da anistia. Ele não se manifestou sobre isso. O mesmo ocorreu com Márcio Marinho (Republicanos-BA), que tem apadrinhados na Companhia das Docas da Bahia.
Influência em xeque e pressão por espaço - Mesmo com as ameaças de retaliação, há cautela no Planalto quanto à possibilidade de piorar ainda mais a articulação política. A atual estratégia de Lula passa por se aproximar de figuras como Hugo Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em busca de maior estabilidade institucional.
Apesar do peso reduzido que os cargos de chefia federal têm hoje em comparação ao passado — principalmente frente ao poder das emendas parlamentares —, o controle sobre essas indicações ainda representa capital político. Uma análise inicial feita pela SRI mostra que há parlamentares com indicados em órgãos federais que votam com o governo em mais de 90% das vezes, enquanto outros mostram alinhamento inferior a 15%.
O PT, por sua vez, tem demonstrado incômodo com a presença de aliados infiéis em postos estratégicos. Um dos pontos de tensão envolve as superintendências dos Correios, sete das quais estão sob influência do União Brasil, partido que raramente atua em sintonia com os interesses governistas.
O pente-fino, portanto, é mais do que uma simples reorganização administrativa: trata-se de uma tentativa de recompor a base parlamentar e restabelecer uma articulação que, até aqui, vem oscilando entre concessões e traições.