KARIN KOSHIMA
As eleições presidenciais de 2026 desenham um horizonte promissor para uma candidatura de centro-direita no Brasil. Esta análise, fundamentada em uma observação aprofundada do eleitorado brasileiro através de pesquisas qualitativas, remete às mesmas percepções que me guiaram em 2018. Naquele ano, em fevereiro, o artigo "O eleitor de Bolsonaro", de minha autoria e publicado no jornal A Tarde, ousou apontar para uma vitória que a maioria considerava improvável, até mesmo descabida. À época, a compreensão predominante confinava o eleitorado de Jair Bolsonaro a segmentos radicais. Contudo, percorrendo o Brasil realizando pesquisas qualitativas constatei uma realidade distinta: esses eleitores não eram radicais, nem meramente conservadores retrógrados e, muito menos, tapados. Eram, e continuam sendo, cidadãos comuns, assolados pela insegurança pública e apreensivos com a percepção de uma subversão dos valores familiares tradicionais.
A vitória de Bolsonaro confirmou que o contingente desses cidadãos era muito mais expressivo do que se supunha e, o que posso dizer, é que suas inseguranças persistem. Sete anos depois, identifico um cenário notavelmente semelhante ao de 2018, que favorece o campo da centro-direita e a pauta dos costumes.
Não é à toa que a centro-direita parece ter compreendido parte do recado, e programas partidários já levantam a bandeira do enfrentamento contundente à violência como foco. Não vejo o mesmo em relação a pauta dos costumes.
O eleitor da centro-direita, não está preocupado apenas com os riscos evidentes de viver numa sociedade dominada pelas facções e pela corrupção. Ele está preocupado com o que entende como subversão dos valores que sustentam o conceito de família. São pais e mães comuns assustados com a velocidade com que se impõe a aceitação de um novo "politicamente correto", sem se sentirem prontos para absorver e transmitir com segurança para seus filhos a necessidade de um olhar sem preconceito para tudo aquilo que antes era tabu. Bolsonaro, à época, trazia alívio e gerava identificação, quando demonstrava que eles não estão sozinhos nas suas dificuldades e incertezas, determinando-se a defendê-los.
Para além desses aspectos, deve-se lembrar que o Brasil contemporâneo é marcado por uma intensa polarização política e já se nota uma crescente fadiga do eleitorado com essa dicotomia extrema. Essa conjuntura sugere uma demanda latente por uma liderança menos confrontadora e mais unificadora, oportunizando que uma candidatura de centro-direita capitalize esse sentimento. As pesquisas eleitorais recentes, como a Quaest divulgada em junho de 2025, indicam um cenário de competitividade acirrada, com a centro-direita demonstrando considerável potencial para as eleições de 2026. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de sua base de apoio, enfrenta um cenário de empate técnico em um eventual segundo turno contra diversos nomes da direita e centro-direita, como Michelle Bolsonaro (PL), Ratinho Jr. (PSD), Eduardo Leite (PSD) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A alta taxa de rejeição de Lula (57% segundo a Quaest) o torna particularmente suscetível em um segundo turno. Essa consistência nos resultados sugere um espaço eleitoral mais amplo para a oposição, sem depender da força de um único desafiante. O objetivo principal da centro-direita, portanto, deveria ser consolidar o voto anti-Lula em torno de um único candidato competitivo. Mas, por ora, devem ainda se digladiar nessa escolha por um bom tempo.
Outro ponto importante que favorece a direita é que esta não se define mais exclusivamente pela herança da ditadura militar ou por uma agenda econômica neoliberal. Não é isso o que o eleitor médio que se auto-denomina “de direita” expressa. Em vez disso, sua identidade está prioritariamente associada a posições conservadoras no campo dos costumes (como a oposição à união homoafetiva e à discussão de teorias de gênero nas escolas) e na área de segurança pública (incluindo a defesa da redução da maioridade penal, da extensão do porte de armas e da pena de morte).
Pesa também nessa leitura, que apesar da inelegibilidade de Jair Bolsonaro até 2030, não se pode ignorar que sua influência permanece um ativo eleitoral considerável para a direita. Seu endosso pode ser potente para um candidato de centro-direita, consolidando a base da extrema-direita. No entanto, a preferência da centro-direita por Tarcísio de Freitas em detrimento de Eduardo Bolsonaro, aliada às altas taxas de rejeição do ex-presidente (55%), indica que um candidato deve gerir essa influência com cautela. O perfil ideal seria aquele capaz de garantir o apoio implícito ou explícito de Bolsonaro, capitalizando sua base dedicada, sem, contudo, herdar os índices de rejeição associados aos seus aspectos mais polarizadores. A possibilidade de uma chapa encabeçada por Tarcísio Freitas, com Michelle Bolsonaro como vice, tem sido aventada como uma força capaz de desafiar o favoritismo do atual presidente, unindo um perfil de gestão a um forte apelo à base conservadora
Nomes como Ratinho Jr. (29%), Romeu Zema (22%), Ronaldo Caiado (26%) e Eduardo Leite (31%) exibem percentuais de rejeição significativamente inferiores aos de Lula (57%), Jair Bolsonaro (55%) e Eduardo Bolsonaro (56%). Muitos desses indivíduos são governadores ou ex-governadores, o que confere um perfil centrado em "gestão" e competência administrativa, altamente atrativo a um eleitorado mais amplo.
O avanço do perfil conservador no Congresso Nacional também favorece uma candidatura mais à direita, reflexo desse sentimento conservador enraizado no eleitorado. A eleição de 2018 demonstrou uma clara inversão na tendência de declínio da associação entre ideologia e voto, com um aumento expressivo do voto ideologicamente orientado, particularmente para o conservadorismo em questões de costumes e segurança pública. A dimensão econômica foi menos saliente para os eleitores de Bolsonaro, que foram mais influenciados por suas posições em questões morais e de segurança pública. E isso também não mudou.
Para um segmento significativo desse eleitorado, os valores sociais e culturais têm maior peso em seu cálculo eleitoral do que os debates tradicionais sobre política econômica, por exemplo. Isso se reflete em posições como a oposição à legalização do aborto e a discussões de gênero nas escolas, a defesa dos valores familiares tradicionais, e posturas firmes em segurança pública, como o apoio à posse de armas e à redução da maioridade penal - pleitos importantes do espectro “pauta de costumes”.
Um candidato de centro-direita tem, portanto, uma oportunidade estratégica de se diferenciar e mobilizar sua base ao defender vigorosamente políticas sociais conservadoras e de segurança pública. Essa abordagem concede maior flexibilidade em questões econômicas, ao mesmo tempo em que mantém um atrativo apelo ideológico.
O campo da centro-direita no Brasil é multifacetado, abrangendo partidos como Republicanos, União Brasil, Novo, e frações do PSD e PL. Lideranças emergentes como Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr., Eduardo Leite, Romeu Zema e Ronaldo Caiado exemplificam essa diversidade de perfis. O principal desafio para a centro-direita reside na capacidade de congregar essas forças díspares em torno de um nome único e amplamente aceitável.
A cogitação de uma chapa Tarcísio-Michelle ilustra essa busca por unificação, visando preencher a lacuna entre a centro-direita tradicional e a base bolsonarista. O candidato ideal de centro-direita deve ser ideologicamente conservador o suficiente para energizar e reter a base da direita, mas, simultaneamente, moderado o bastante para evitar a alienação do crucial eleitorado de centro ou a herança das altas taxas de rejeição associadas à extrema-direita. Um bom desafio.
Por fim, o caminho para uma candidatura presidencial de centro-direita no Brasil em 2026 não apenas se mostra aberto, mas é uma realidade iminente. Os mesmos ventos que sopraram em 2018 e que, à época, me permitiram vislumbrar o que muitos julgavam impossível, agora impulsionam novamente esse campo político. A vulnerabilidade do atual governo em segundos turnos, a emergência de novas lideranças com baixa rejeição e a força inquestionável das pautas de costumes e da segurança pública como motores do voto conservador desenham um cenário de oportunidade sem precedentes. Observei em 2018 e reafirmo hoje, a voz das famílias comuns, que anseiam por segurança para si e para seus valores, constitui a força motriz, muitas vezes silenciosa, do eleitorado.
A centro-direita, se souber interpretar e representar essa voz com moderação e competência, tem em suas mãos a chance de reconfigurar o panorama político nacional e ascender à presidência da República em 2026. O sentimento da opinião pública é notavelmente semelhante ao de 2018, e quem melhor o compreender colherá a vitória.
O fiel da balança será o candidato que melhor dialogar com a população sobre suas angustias e medos, exatamente como Bolsonaro fez.
