Quem tem mais de 60 anos e um dia amou o teatro deve lembrar. O cantor Zezinho Corrêa, que pegou um trem para as estrelas na manhã deste sábado, 6 de fevereiro, não surgiu de uma hora para outra cantando na banda “Carrapicho” e meteoricamente se tornar um nome respeitados nos palcos nacionais e internacionais. Na verdade, o primeiro palco que Zezinho pisou foi do teatro Experimental do Sesc, o TESC – dirigido pelo escritor e dramaturgo Márcio Souza, entre os anos 1976 a 1980 –, na peça “Tem Piranha no Pirarucu”, uma crítica bem humorada da Manaus do período pós-Zona Franca, que empurrava goela abaixo o otimismo ilusório do milagre econômico e os sonhos do sucesso sulista.
No espetáculo, de smoking preto, Zezinho encanava um famoso colunista no right society baré, usando cacos, bordões e ridicularizando o fascínio da sociedade amazonense pelo colunismo social da época. Talvez tenha sido naquela peça que artista – até então um ator desconhecido –, descobriu que poderia encarar, também, a carreira de cantor. Antes de descer o pano, a peça de Márcio encerrava com Zezinho e os demais personagens cantando “Porto de Lenha”, um trecho do poema de Aldísio Filgueiras, que o compositor Torrinho transformou numa balada que acabou virando o hino não-oficial da cidade. Já na época, o carisma e a voz dele chamavam a atenção.
Foi um sucesso! Estudante universitário que não tivesse assistindo “Tem Piranha no Pirarucu” e nem tivesse lido “Assim falou Zaratustra”, a mais célebre obra de Friedrich Nietzsche, não teria direito a entrar nas rodas de conversa dos bares da vida, nas Manaus dos final dos anos 1970.
Por volta de 1980, houve uma invasão de música nordestina no país que sepultou de vez a febre da lambada e aquele chato do Beto Barbosa. Na rastro da safona surgiram nomes como Zé Ramalho, Amelinha, Belchior, Ednardo, Fagner, Elba Ramalho – ,que também vinha do teatro.
Foi nessa onda do arrasta a sandália que ressurge Zezinho Corrêa, dessa vez como vocalista da banda Carrapicho, que tinha ainda Paulo de Jesus ( uma voz divina, morto no inicio do grupo), além de Bertão , Edson do Valle, Otávio de Borba, Carlinhos Bandeira, China, Júnior da 14 e quatro bailarinos que incendiavam as apresentações – Hudson, Inael, Tatiana e Iran. O nome não podia ser sugestivo. Carrapicho é um matinho rasteiro da Amazonia, que agarra na pele dos animais e até nas roupas de quem passa perto de seus ramos. O som da banda, como a planta, “grudou” na vida do povo do Amazonas.
De certa forma, não é exagero dizer que foi o Carrapicho que deu um novo impulso à toada do boi bumbá de Parintins, até então um ritmo para o qual muito amazonense elitista torcia o nariz. “Isso é música de cabocão”, “não vai pegar, é música de índio”. Até que em abril de 1996, a toada de boi "Tic, Tic, Tac", de autoria do parintinense Braulino Lima, estourou na Europa e nos estados Unidos. Foi como um rastilho de pólvora. Tão eletrizante quanto o ritmo da toada, a gravação do Carrapicho chegou ao o 1º lugar nas paradas de Portugal e França; 2º lugar na Bélgica e 3º lugar na Espanha, vendendo mais 1 milhão de cópias só nesses quatro países. Seo Braulino nunca ganhou tantos Euros em direitos autorais, coisa séria, mas lá na Europa! E a partir daí, sim, alguns amazonenses” metidos a besta” que ainda resistiam, tiveram que ceder a começar a ouvir a “música de índio”, que acabou indo parar em grandes programas de TV como Fantástico, Jô Soares e Hebe Camargo. Depois de “Tic, Tic, Tac” e Vermelho, de Chico da Silva, nunca o boi de Parintins foi o mesmo.
E, a parir de agora, vai ser difícil olhar para as estrelas e não ouvir o brado contagiante do Zezinho: “Bate forte o tambor, galera!!!!!