O grande desafio da mobilidade urbana manauara passa pelo modo como as pessoas se deslocam. O aumento dos veículos nas ruas e preferência por transportes individuais, o ir e vir de Manaus está cada vez mais caótico. A advertência é do engenheiro de trânsito, Manoel de Castro Paiva.
— O atual sistema de transporte coletivo por ônibus de Manaus é apontado por seus usuários como, inseguro, desconfortável, inconfiável, lento e demorado. A
perspectiva de atrair novos usuários ou regatar os antigos, passa necessariamente por uma melhoria qualitativa do serviço oferecido –, avisa.
Com especializações em Planejamento e Operação de Transporte Coletivo, pelo Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba (IPUC/PMC), Paiva tem autoridade e competência suficiente para fazer o alerta. O amazonense de Lábrea tem cursos na Engenharia de Tráfego, pela Secretaria de Estado do Interior de Berlim, Alemanha, já ocupou o cargo de presidenta da então Empresa Municipal de Transportes Urbanos (EMTU). Atualmente é Vice-Presidente do Instituto de Inteligência Socioambiental Estratégica da Amazônia (Instituto PIATAM ). Esta semana, o engenheiro traçou o perfil da mobilidade urbana em Manaus e o caos previsível que deverá se instalar nos próximos 10 anos se nada for feito.
Confira a entrevista:
marioadolfo.com – Como será a Manaus de 2034 se não forem tomadas as medidas necessárias para organizar a mobilidade urbana hoje, que já beira a uma implosão?
Manoel Paiva, engenheiro de trânsito – O Amazonas foi o terceiro estado com o maior índice de crescimento populacional entre 2012-2018, ao crescer 10,8%. A população de Manaus cresceu acima da média das grandes cidades brasileiras. Nos próximos 10 anos, Manaus receberá mais de 500 mil novos habitantes. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
A população da Região Metropolitana de Manaus, formada por 13 municípios, ultrapassou os 2,532 milhões de habitantes em 2022, correspondendo a mais de 64,00 % da população do Amazonas, além de circular 88,0% da frota de veículos registrada em todo estado.
O grande desafio da mobilidade urbana manauara passa pelo modo como as pessoas se deslocam. O aumento dos veículos nas ruas e preferência por transportes individuais, o ir e vir de Manaus está cada vez mais caótico.
Além do trânsito, há o inchaço populacional e a expansão da cidade, com áreas cada vez mais periféricas, que são desatendidas pelo poder público em relação às políticas de mobilidade.
marioadolfo.com – As propagandas institucionais repetem, incansavelmente, que a “paz no trânsito quem faz é você”, mas, na realidade o trânsito em Manaus é cada vez mais complicado. Para você estar em um compromisso na hora certa tem que sair duas horas antes. Em resumo é lento, tenso, estressante, cansativo e perigoso.
Manoel Paiva – Com a expansão da cidade e com o aumento dessas áreas periféricas, como já citei, as pessoas precisam se deslocar por distâncias maiores, o que demanda mais veículos nas ruas. Isso traz, com mais frequência, engarrafamentos, um trânsito lento na hora do rush, tensão generalizada, acidentes e aumento das vítimas fatais.
marioadolfo.com – Como o senhor avalia o sistema de transporte coletivo de Manaus que, apesar de alguns avanços continua deficitário e deixando a desejar?
Manoel Paiva – O atual sistema de transporte coletivo por ônibus de Manaus é apontado por seus usuários como, inseguro, desconfortável, inconfiável, lento e demorado. A perspectiva de atrair novos usuários ou regatar os antigos, passa necessariamente por uma melhoria qualitativa do serviço oferecido. O IMMU aponta a redução com mais de 20,0% os passageiros cativos do sistema após a pandemia.
Portanto, a melhoria da qualidade da convivência no trânsito nosso de cada dia, nos próximos dez anos, aponta a necessidade imediata de medidas pontuais, atitudes objetivas, vontade política, prioridade operacional de utilização do nosso sistema viário, projetos que beneficiem a população periférica que depende do transporte coletivo urbano e metropolitano para seus deslocamentos diários.
marioadolfo.com – Numa análise rápida, quais são os problemas mais urgentes a serem resolvidos agora?
Manoel Paiva – Atualmente apresentamos as seguintes características de nossa Mobilidade Urbana: nosso sistema viário é ocupado em 70% pelo transporte individual (automóvel), esse modal leva apenas 25% das pessoas, gerando um grande desequilíbrio com o transporte coletivo; Mais de 55% da população utiliza como principal meio de transporte o modal coletivo por ônibus, distribuído em 1.170 ônibus urbanos, 200 micro-ônibus do Transporte Executivo, 250 micro-ônibus do Transporte Alternativo; O problema maior de mobilidade da população encontramos nas zonas mais populosas de nossa capital, abrangendo as Zonas Norte, Leste e Oeste, onde se verificam também as maiores taxas de crescimento e adensamento populacional ao longo das últimas décadas;
O sistema de transporte de Manaus é simplesmente ineficiente. A cidade precisa ter seu transporte melhorado para o benefício de todos. Da forma que está não há vencedores; A perda de tempo que existe para deslocamentos é desproporcional às distâncias envolvidas. O custo de tempo perdido é enorme e o problema se agrava a cada dia.
marioadolfo.com – Muitos gestores públicos iniciam suas administrações prometendo resolver o gargalo nos transportes púbicos. Teve um, o prefeito Alfredo Nascimento que tentou copiar Curitiba mas o que se viu foi um desastre, uma espécie de corredor fantasma com plataformas de concreto que ficou abandonado por longo tempo. O que falta para avançarmos nesse setor, vontade política?
Manoel Paiva – Manaus possui muitos problemas de transporte e a origem deles é a falta de coragem para modernizar o sistema. Seguimos com o mesmo conceito de um mundo muito diferente do contemporâneo. Assim, é natural que todos os envolvidos estejam insatisfeitos: prefeitura, usuários, empresários e até os não usuários. Não existem pessoas alegres com o sistema de transporte de Manaus.
Indicamos a seguir objetivamente as medidas de curto, médio e longo prazos, para tornar Manaus uma cidade menos agressiva para as pessoas, mais amigável aos pedestres, aos ciclistas, aos moradores periféricos, aos motociclistas, aos condutores do transporte coletivo de pessoas, de cargas, de serviços e do comércio.
A curto prazo é necessário priorizar a operação no sistema viário atual do Transporte Coletivo Urbano, para aumentar a velocidade comercial, diminuir o tempo de viagem e espera do passageiro, diminuir os custos operacionais, melhorar o conforto, segurança e confiabilidade do Sistema de Transporte por ônibus (implantação das Faixas e Vias Exclusivas de ônibus); Melhorar e ampliar a rede alimentadora do Sistema de ônibus com o transporte auxiliar, priorizando as zonas Leste, Norte e Oeste; Implantar mais Terminais de Integração física e tarifária nas zonas Oeste, Leste e Polo Industrial; Aumentar prioritariamente a frota operacional veículos de maior capacidade (ônibus articulados e biarticulados) nos principais corredores estruturais do sistema; Investir em tecnologia para gerenciamento, monitoramento e fiscalização na operação do sistema viário; Implantar Projetos de Intervenções viárias e sinalização nos bairros periféricos, em polos geradores de tráfego e pontos negros de acidentes com a implantação da fiscalização eletrônica centralizada; Implantar, fiscalizar, monitorar e acompanhar os corredores e faixas exclusivas de ônibus;- Adoção de tecnologia para controle do transporte e trânsito, com tecnologia apropriada os semáforos inteligentes, radares eletrônicos, barreiras eletrônicas fixas e móveis, pois fazem o mesmo papel dos agentes de trânsito além de coletar dados para melhorar o trânsito, fiscalizar e monitorar o comportamento dos motoristas de veículos e aumentar a segurança dos pedestres e condutores.
marioadolfo.com – Estamos falando de veículos, mas, e o pedestre como entra no que o poder público considera prioridade?
Manoel Paiva – Sim, é necessário priorizar os pedestres, principalmente eles. De saída é urgente trabalharmos um programa de implantação de calçadas, passarelas viárias, sinalização adequada, faixas de pedestres iluminadas, programa constante de orientação e informação ao pedestre; melhorar a segurança viária; implantar um programa de redução de acidentes de trânsito, para diminuição das vítimas fatais e lesionadas (motociclistas, pedestres, ciclistas, condutores de veículos); Implantar medidas de prioridades operacionais para Motociclistas e Ciclistas, com implantação de Faixa Azul para Motos, áreas de espera para motociclistas, Ciclovias adequadas e Ciclofaixas seguras e utilizáveis; Envolver o terceiro setor para implantação de campanhas e programas educativos, formação e requalificação de condutores de veículos de passageiros e cargas.
marioadolfo.com – E a médio e longo prazo, que medidas poderiam começar a serem avaliadas?
Manuel Paiva – Planejamento urbano, controle do uso e ocupação, priorizar o interesse coletivo na expansão da cidade. Modelo de ocupação de Curitiba (PR), com a verticalização ao longo dos corredores estruturais e estratificação das atividades de comércio, lazer, estudos, serviços e industrial. Valorizar as áreas de crescimento da cidade como Zona Oeste, priorizando o sistema de transporte coletivo urbano.
É preciso também investimentos prioritários na ampliação e conservação do sistema viário para atender a rede de transporte público de passageiros.
Planejar um novo modal de transporte urbano de massa que integre o Transporte Coletivo Urbano com o Transporte de Fretamento do PIM, conectado ao Transporte Intermunicipal, aos veículos de duas rodas e ao transporte hidroviário de passageiros.
Nosso modal preferido sempre será sob trilhos, de média capacidade para as linhas dos eixos estruturais do sistema.
Tornando assim a Mobilidade Urbana da população manauara, Integrada, inclusiva e sustentável.
marioadolfo.com – Manaus é uma cidade que não cresceu, inchou. Que não foi planejada, mas se alastrou horizontalmente. Como mexer nesse caldeirão de ruas estreitas, passeios públicos, falta de estacionamento, transporte público deficitário, etc.
Manoel Paiva – Defendo um projeto que atenda de forma direta e seletiva as comunidades mais excluídas da cidade, chamado de Projeto de Mobilidade Comunitária, que discuta os modais de transporte, o trânsito de pessoas e veículos, inserindo acessibilidade inclusiva e universal para todos, objetivando levar para comunidades de Manaus, projetos comunitários de pequenas intervenções nos bairros, atendendo demandas de melhorias para o transporte coletivo urbano, segurança viária, urbanismo, mobiliário urbano, acessibilidade universal e integração do pessoal de operação dos modais sob responsabilidade do município, objetivando melhorar o bem-estar, a convivência, a circulação de pessoas e veículos, em todos os modos de mobilidade ativa, de maneira segura, acessível, inclusiva e sustentável, tanto internamente e conectados com os setores de serviços, comércio, abastecimento, escolas, templos e lazer.
Temos que priorizar projetos que visem as pessoas, não os sistemas. Com parcerias diretas para elaboração de programas e projetos com entidades educacionais, comércio e setores de serviços. Com desenvolvimento, interação e formatação com as comunidades de moradores e lideranças do bairro/comunidade.
marioadolfo.com – Em todos estados brasileiro, à exceção do Amazonas, carros que envelhecem acabam transportados para cidades do interior. Quer dizer, a frota é renovada. Aqui, por falta de estrada vão ficando na capital, Manaus. Isso fez o número de veículos explodir. Como resolver esse gargalo?
Manoel Paiva – Temos que incentivar a “municipalização do trânsito e transporte de pessoas”, como prescreve o Código de Trânsito Brasileiro, para planejar, gerir, implantar, manter, fiscalizar a mobilidade das pessoas e de cargas nas sedes municipais, melhorando a segurança viária, implantando transporte coletivo urbano, disciplinando a circulação de veículos, incentivando o uso de bicicletas, disciplinando e fiscalizando o transporte individual de pessoas e cargas por motocicletas, sinalizando as vias, implantando projetos de formação de condutores, implementando campanhas educativas sistemáticas para informar e educar a população.
marioadolfo.com – Em números, quantos veículos automotores transitam em Manaus? Quantos entram mensalmente no sistema?
Manoel Paiva – Os dados atualizados do Detran-Am até março de 2024, circulam em Manaus 974.668 veículos (80,0% da frota do estado), sendo que 303.997 são motocicletas que correspondem a 32,0% da frota de Manaus. A média mensal de novos veículos automotores emplacados no Departamento de trânsito como “novos”, corresponde a 5.588 unidades no período de dezembro de 2022 a março de 20224.
marioadolfo.com – Um dos maiores entraves no trânsito de Manaus, quem se desloca diariamente sabe disso, são as motocicletas que fazem os que bem entendem. Qual a solução para esse caos?
Manoel Paiva – Os dados atualizados da Região Metropolitana de Manaus (RMM) apontam o crescimento acentuado do número de motocicletas para o transporte individual de passageiros, para cargas, serviços de entrega e transporte particular de pessoas. Tal realidade preocupante de Manaus e os municípios amazonenses, confirma nossa convicção de implantarmos imediatamente um Programa Especial de Operação de Trânsito para Motocicletas, que diminua drasticamente os elevados índices de acidentes que geram vítima fatais, lesionadas e danos materiais.
A segurança viária precisa ser garantida para condutores, passageiros e pedestres, com um programa amplo de planejamento viário, operação controlada, sinalização, monitoramento, fiscalização de velocidade, acompanhamento qualitativo de utilização e ocupação do sistema viário.
marioadolfo.com – Uma Faixa Azul exclusiva para motocicletas atenuaria o excesso de motociclistas ocupando todos os espaços da pista, atalhando sobre canteiros, usando passarela de cadeirantes para retorno, só para citar algumas atrocidades?
Manuel Paiva – É fundamental a execução de um programa de redução de acidentes de trânsito, para diminuição das vítimas fatais e lesionadas (motociclistas, pedestres, ciclistas, condutores de veículos), assim como implantar medidas de prioridades operacionais para Motociclistas e Ciclistas, com implantação de Faixa Azul para Motos, áreas de espera para motociclistas, Ciclovias adequadas e Ciclofaixas seguras e utilizáveis.
Outra boa medida seria envolver o terceiro setor para implantação de campanhas e programas educativos, formação e requalificação de condutores de veículos de passageiros e carga.