O dia 6 de setembro de 1988 se aproximava e a data era muito importante para nós, jornalistas do Amazonas em Tempo. Era o primeiro aniversário do jornal criado pela jornalista Hermengarda Junqueira, a Menga, e o empresário Marcílio Avelar Junqueira, uma espécie de “controle de qualidade” do jornal, que segurava não só a vida financeira da empresa, mas também a porraloquice dos jornalistas e a fogueira de vaidade que geralmente acomete os profissionais de imprensa. Quem assistiu The Paper (O Jornal), filme de Ron Howard, de 1994, com Michael Keaton e Glenn Close – que narra com fidelidade o dia-a-dia de uma redação de jornal -, sabe muito bem o que é isso.
Naquela época do EM TEMPO tínhamos um compromisso sagrada, todas as sextas-feiras. Comer peixe no restaurante Panela Cheia, no Dom Pedro. De cadeira cativa – aqueles que nunca faltava ao almoço -, eram eu, Menga e a colunista Elaine Ramos, que já partiu. Mas algumas vezes também apareciam por lá Aristófanes de Castro Filho, Inácio Oliveira, Armandinho Guimarães, Jacira Oliveira, Míriam Malina, Maria Rita Chaves, Simone Abrahim e Catarina Assi.
Eram tardes de muito calor, muitas discussões política e muito huor. As melhores pautas do jornal saíram daquela mesa. Além da sardinha, do jaraquí e da costela de tambaqui, detonávamos no mínimo umas 18 cervejas no espaço de 12:00 às 13:00 hrs. E não me pergunte como é que a edição de sábado saia (e era uma das melhores) porque eu não sei.
— Pelo amor de Deus, parece que a vida pra vocês é uma eterna festa!-, dizia o racional e discreto Marcílio, o mais amazonense dos mineiros, cobrando bom senso. Mal ele sabia que quando a gente pedia a “saideira”, “ a expulsadeira” e por ultimo “o pé na bunda”, alguém sempre puxava o grito de guerra:
— Bora fechar o jornal do mineiro!!!
Foi em uma das mesas do Panela Cheia, estalando um sardinha com espinha e tudo nos dentes que a Menga teve uma ideia:
— Temos que festejar o primeiro ano do jornal com um evento de impacto, que mexa com a cidade. Quem sabe trazer um artista. O que vocês acham?
— Eu consigo o salão do Jardim das Américas. Até porque também é meu aniversário e a gente faz uma festa só -, propôs Elaine, que aniversariava quase junto com o EM TEMPO, 7 de setembro.
— Um show seria ideal, Menga -, disse eu, animado.
— O que vocês acham do meu compadre Paulinho da Viola? Eu tenho o número dele! -, sugeriu Elaine, a íntima, que tinha uma agenda imbatível. Se duvidasse tinha até o telefone do Papa.
— Boa, Elaine Maria! Mas vou logo avisando, só banquinho e violão, hein! Não tem dinheiro pra pagar banda. O plano cruzado fodei a gente! -, avisou Menga.
Na segunda-feira, nossa amiga colunista ligou para o cidadão Paulo César Batista de Faria, nascido em Botafogo, no Rio de Janeiro, cantor, compositor e violonista brasileiro, um dos mais importantes representantes do samba e da Musica Popular Brasileira. E claro, um dos meus sonhos jornalísticos, uma entrevista em ping-pong com o autor de “Coisas do Mundo Minha nega”, “Um Rio que Passou em minha Vida” e “Dança da Ilusão”, só pra citar alguns classicos da MPB. Além disso, portelense.
— A gebte dá a capa do Caderno de Cultura com ele! –, festejei antecipando a pauta.
Paulinho topou. Só queria as passagens, o hotel e um cachê irrisório que não dava pra quebrar o caixa do EM TEMPO e muito menos provocar um esporro do mineiro. Menga aprovou e voltamos pra redação felizes da vida.
Corta para a semana seguinte. Estou na redação, por volta das 10:00 hrs., quando Menga entrou de óculos escuros. Tinha cara de quem andou chorado.
— Vamos almoçar que eu preciso converser com você.
No Kadette prata da jornalista, fomos a um restaurante alí mesmo perto do jornal, na rua Salvador, Adrianópolis, o Panorama. Sentada à minha febre, Menga acendeu um Charm, abriu a bolsa e disse com a voz grave, meio rouca:
— Já vistes o convite do show? -, perguntou, estendendo um envelope em direção à minha mão. Abri apressado e emudeci quando comecei a ler. Estava ecscrito lá: “ELAINE CONVIDA PARA O SHOW DE PAULINHO DA VIOLA, EM COMEMORAÇÀO AO SEU ANIVERSÁRIO – DIA 7 ÀS 21:00 H NO JARDIM DAS AMÉRICAS.
Eu não sabia se ria ou se chorava.
— Que sacanagem, nem cita o nome do EM TEMO! – desabafou Hermengarda. Concordei com a dona do jornal e, solidário, tentei ajeitar as coisas.
— Liga não. Vamos imprimir um segundo convite e distrbuir com os nosssos anunciantes e amigos!
— Não liga não o cacete! Vamos boicotar o show. Ninguém vai, vamos festejar o aniversário do jornal em outro lugar! – avisou a jonlaista.
— Putz! Lá se foi minha entrevista com o Paulinho! – lamentei.
Naquela noite de 6 de setembro, fechamos o jornal e fomos para o “Gina’s Bar”, no Parque das Laranjeiras, o imortal bar de Celso Seixas. E foi assim que, Menga, Marcilio e eu festejamos, solitariamente, numa mesa de bar, o aniversário de um ano do Amazonas em Tempo. Um jornal que hoje tem 30 anos, desmoralizando o vaticínio frio de alguns céticos que em 1987, diziam: “esse jornal não passa de seis meses!”
Elaine jurou de pés juntos que a culpa foi da gráfica.
*As Crônicas do Mário Adolfo são publicadas sempre aos domingos no Blog do Mário Adolfo