Em 1968, um dos criadores do Pasquim, o jornalista Luiz Carlos Maciel, escreveu um torpedo chamando a atenção para um “cara novo” que cantava uma música sobre o exílio de Caetano Veloso, em Londres, e citava o jornal nanico que tinha a ousada de combater a ditadura com jornalismo inteligente e bom humor. “A musiquinha se chama 'I want to go back to Bahia', foi composta e cantada por uma cara novo, Paulo Diniz... “Como geralmente acontece com músicas que citam esse jornaleco, parece que o negócio do Diniz é sucesso. Coisa de destino”, escreveu Maciel.
O “cara novo” era Paulo Diniz, cantor e compositor natural de Pesqueira, no agreste pernambucano, que na última sexta-feira, 24 de janeiro, que completou 80 anos – nasceu em 24 de janeiro de 1940. Há 50 anos, o trabalho do artista se mantém “vivo” nas rádios do país com músicas gravadas em seu primeiro Long Play (LP), por volta de 1967, como “Pingos de Amor”, “Um chope pra distrair”, “Quero voltar pra Bahia”, Piripiri, Bahia Comigo, e a imortal “E agora, José?”, onde Diniz musicou o poema imortal de Carlos Drummond de Andrade.
A música a que se referiu Luiz Carlos Maciel, que por desinformação chamou de I want to go back to Bahia , na verdade, é “Quero voltar pra Bahia”, inspirada nos textos publicados por Caetano Veloso no jornal Pasquim enquanto esteva exilado. “De repente ficou frio / Eu não vim aqui para ser feliz / Cadê o meu sol dourado? / Cadê as coisas do meu país?”, diz a letra.
Em 1983, com o fotógrafo Carlos Dias, pelo jornal A Crítica, entrevistei Paulo Diniz numa de suas passagens por Manaus, onde veio fazer o show de encerramento do Festival Folclórico do Amazonas, que na época acontecia na Bola da Suframa. Na cobertura do Hotel Mônaco, na avenida Silva Ramos, centro de Manaus, por volta das 16h, o compositor conversou por mais de duas horas com a equipe do jornal.
Já estava caminhando, amparado por muletas, nas primeiras manifestações da esquistossomose, doença que o colocou numa cadeira de rodas, contraída em um banho de rio, em Minas Gerais.
— Eu passei por tudo na vida, peguei todas as drogas e cabo nua cadeira de rodas por causa de um banho de rio –, disse.
Já naquela época, 15 anos depois de ter estourado com “O Chorão”, quando era locutor da rádio Globo, no Rio de Janeiro, Paulo Diniz já tinha uma explicação para a perpetuação de suas música. O tempo passa, e elas continuam tocando nas rádios, nos barzinhos e por outros grandes nomes da MPB, como Caetano, que interpretou em um show “Quero voltar pra Bahia” e Paula Toller, que gravou “Pingos de Amor”.
— E cantei num momento em que não podia se falar coisas sérias. Mas sempre falei, embora muitas vezes tenha camuflado as coisas com jogos de palavras ou falando nas entrelinhas - disse o cantor.
Tocando direto nas rádios e circulando pelo verão carioca pela praia de Ipanema, Diniz vivia seu melhor momento. “Ponha um arco-íris na sua moringa/ Fique lelé da cuca num dia de sol/ Praia de Ipanema Simonal sorrindo/ Vai na Montenegro toma um chopp e sai...”, tocava quase que simultaneamente pelas rádios naquele verão de 1972. No Rio, o var do Montenegro – onde Vinícius e Tom fizeram a música imortal –, virou “Garota de Ipanema”. Em Manaus, “Ponha um Arco-Íris na sua Moringa” virou trilha sonora do programa “O Grilo da Paróquia”, apresentado pelo radialista F. Cavalcante, que até hoje está na Difusora FM.
Naquela histórica entrevista, Paulo Diniz contou que, apesar da “caça às bruxas” da época, ele teve coragem de partir para um trabalho mais sério, que cutucasse o estado de exceção em que o país vivia. Afinal, “O Chorão”, que fez um tremendo sucesso, não passava de uma letra “bobona”, “ingênua”, como a maioria do hits da Jovem Guarda. “Vejam só que coisas engraçada/, a vida tem pra nos dar/ Vou pedir que prestem atenção/ na história que vou contar/ hummmmm/ Outro dia vinha pela rua/ quase morri de rir/ Pois um cara que passou por mim chorava fazendo assim/ An ran ran ran ran ran ran...”
“Caminhos que me levam/ Não têm
Sul nem Norte/ Mas meu andar é firme/
E meu anseio é forte/ Ou eu encanto
a vida / Ou desencanto a morte...”
(Paulo Diniz em “Vou-me embora”
Paulinho resolveu parar de chorar no rádio e olhar o que estrava acontecendo ao seu redor e descobrir que, em 1968, nem sempre dava pra caminhar sorrindo sob o sol de Ipanema.
— Naquela época, muita gente foi convidada a se hospedarem fora do país. Caetano Veloso e Gilberto Gil faziam parte da lista de passageiros daquele voo forçado.
Foi aí que ele pegou o violão e fez “Quero voltar pra Bahia”, usando uma frase em inglês para ironizar a fase em que brasileiro só curtia música americana. “Eu tenho andado tão só/ Quem me olha nem me vê/ Silêncio em meu violão/ Nem eu mesmo sei por quê/ De repente ficou frio/ Eu não vim aqui para ser feliz
Cadê o meu sol dourado? / Cadê as coisas do meu país? I don't want to stay here/ I wanna to go back to Bahia”, cantava o refrão. A letra incorporava a alma melancólica de Caetano, no exílio em Londres. “Via Intelsat eu mando/ Notícias minhas para "O Pasquim"/ Beijos pra minha amada/ Que tem saudades e pensa em mim ...”
— Mas, ao mesmo temo, era eu que tentava, com o inglês, camuflar o grito de revolta que estava sufocado no peito de todos -, lembrou o compositor naquela tarde no hotel Mônaco.
Apesar de driblar a censura em suas composições, Diniz não batia de frente com o regime. Fingia ser neutro sobre política. Mas não era bem assim. A primeira intimação da censura veio com a música “Palmares”, que foi considerada o primeiro grito de liberdade do país, a partir das censuras.
— Os homens disseram que a minha música estava sendo cantada pelos “extremistas da Valpamares e continha ideias do Partido Comunista, quando não tinha nada a ver com isso e nem era do partido. Eu só queria mesmo cantar a liberdade – lembrou Diniz.
Foi naquela tarde também que Paulo Diniz confessou que, de suas músicas, a que não vai passar nunca é “José”, poema de Drummond musicado em 1972. “É a musica que mais vau durar comigo. De tudo que eu fiz é a que eu gosto mais”, revelou. Apesar da identificação com os versos do poeta mineiro, Paulinho nunca teve nenhum encontro com Drummond.
— Parece engraçado, mas eu nunca encontrei o Carlos Drummond. Eu tenho tanho respeito pelo poeta que a minha timidez nunca me deixou provocar o encontro. E como ele é mineiro...
Paulinho estava enganado ao dizer que que “E Agora José?” era a música “que não vai passar nunca”. Hoje, 2020, século 21, ainda ouvimos e nos emocionamos com “Pingos de Amor”, “Um chopp pra distrair”, “Vou-me embora, “Quero voltar pra Bahia” e , claro, “José”. E estamos cada vez mais convictos de que, quem não vai passar mesmo é Paulo Diniz.