"A minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim." Quando Ailton Krenak propõe que contar histórias para adiar o "fim do mundo" não é apenas uma metáfora, mas uma prática de resistência cultural, ancestral e política que reimagina nossas conexões com o meio ambiente, com outros seres vivos e com nossa própria existência.
Inspirado nessa provocação de que narrativas podem ser uma forma de "adiar o fim do mundo", o publicitário Victor Israel, 36, natural de Manaus, Amazonas, fundou, em julho de 2023, a primeira agência de criadores de conteúdo da região Norte, a Vem do Norte. Um hub que tem o objetivo de amplificar vozes amazônicas, fortalecer identidades e promover mudanças por meio do empoderamento narrativo, conectando as pessoas a novas possibilidades e oportunidades.
"A ideia de contar histórias é exatamente isso: dar visibilidade às vozes e trajetórias locais para que as pessoas se sintam representadas e escutadas," afirma.
A agência é gerida também pelos sócios Camila Diniz, Luiz Neto e André Buiati, que, juntos, carregam a missão de transformar narrativas em ferramentas de conexão para criar impacto social e cultural. Mas não é somente isso: a Vem do Norte nasceu a partir de uma inquietação sobre a falta de visibilidade da Amazônia e de suas opiniões no debate nacional, nas campanhas publicitárias e na representatividade nos rostos que estampam grandes marcas.
Se é para falar da Amazônia, ninguém melhor para fazê-lo com propriedade do que os próprios nortistas. Para Victor, o propósito é um só: proteger o território onde vivemos e mudar a realidade do mercado publicitário, levando corpos e vozes amazônicas para ocupar os espaços.
"A gente acredita que o conteúdo do amazonense, do amazônida, da galera do Norte pode chegar em qualquer lugar, porque estamos mostrando muita coisa boa, muita criatividade. Então, a gente fala do Festival de Parintins, que é o nosso maior símbolo de cultura. A gente fala de sustentabilidade, que é a forma como o mundo está nos olhando. Então, estamos chegando nessas pessoas através da criação de conteúdo. E vai ser dessa forma que vamos ocupar os espaços."
Com 20 criadores de conteúdo da região Norte em seu portfólio, a Vem do Norte atua fomentando conexões entre diferentes criadores de conteúdo, sejam eles artistas, ativistas, influenciadores políticos ou humorísticos, com o objetivo de criar uma rede colaborativa que represente a diversidade cultural da região.
"O que nós buscamos é ajudar as pessoas a ecoarem suas histórias e fortalecerem suas identidades. Trabalhamos com criadores nortistas para transformar suas narrativas em conteúdos e ações que ganhem alcance e representação," explica. Ele reforça que as ações da agência são realizadas exclusivamente com pessoas amazônidas, desde fornecedores e consultores até palestrantes e criadores de conteúdo.
Ativismo que Vem do Norte
Além do seu papel como agência criativa, a Vem do Norte carrega uma essência ativista. Victor, explica que percebeu desde a infância sobre a importância de apoiar quem precisa, quando, ainda na escola, durante uma feira de ciência, arrecadou com cestas básicas para famílias em vulnerabilidade social. Porém, o envolvimento nas redes sociais se intensificou durante a segunda onda de Covid, em janeiro de 2021, quando o Amazonas enfrentou a crise de oxigênio, sendo criado o projeto "Respira Amazonas".
"Minha mãe precisou de balas de oxigênio quando teve Covid-19, e a dor e a revolta que senti se transformaram em uma vontade enorme de ajudar. Foi assim que criei o movimento Respira Amazonas, mobilizando recursos e atenção para salvar vidas. A partir dali, decidi usar minha voz, meu conhecimento e minhas redes sociais para defender as causas que acredito: a Amazônia, o povo amazonense e minha cidade, Manaus", explica.
"Outro marco foi no ano passado, no Dia da Amazônia. Organizamos uma ação coletiva com 13 criadores de conteúdo, especialmente de Belém e do Amazonas, para apoiar o projeto Amazônia de Pé", conta Victor, que também explica que todos os criadores de conteúdos se juntaram de forma voluntária para chamar a atenção sobre a crise climática, a fumaça sobre a região Norte, a invisibilidade das pautas nortistas em rede nacional.
“Me tornei mais ativista, principalmente quando percebi que a Amazônia precisava de ajuda, mas também de uma representação real, feita por quem realmente vive e entende as especificidades da nossa região,” diz.
Essa visão é parte essencial da estratégia da Vem do Norte, que busca conciliar seu papel publicitário com um compromisso social. Ao abordar marcas, a agência procura criar diálogos sensíveis, respeitosos e contextualizados, evitando a visão homogênea da Amazônia que muitos projetos externos podem trazer.
Desafios e invisibilidade
“A questão da mudança climática, que já é uma pauta em evidência há anos, com secas extremas, queimadas e desmatamento, chamando atenção para a Amazônia. Mesmo assim, ainda não temos a notoriedade que deveríamos”, explica o paraense André Buiati, 34, sócio da Vem do Norte, que destaca as dificuldades amplas na comunicação sobre o Norte.
Quando o assunto é o mercado publicitário, André é categórico: as marcas do eixo Sul-Sudeste não demonstram interesse em se informar ou em procurar construir narrativas que realmente sejam contadas por nortistas. “Essa invisibilização vai além do desinteresse; é sobre não saber. Quando não sabem, não existe porta de entrada para mostrarmos o trabalho incrível que esses influenciadores fazem.”
Mesmo diante de tantas adversidades, a Vem do Norte desenvolve estratégias para dar mais visibilidade, voz e vez aos amazônidas. A agência marcou presença no Climate Week, em Nova York, mesmo sem o apoio de patrocinadores nacionais.
“Fomos viabilizados por marcas locais e levamos influenciadores como Victor, Marciele e Pavulagem. Ver a Marciele no palco de um evento mundial foi um momento em que percebemos que estávamos no caminho certo. Essa experiência reafirmou a importância de manter nosso propósito: fazer com que grandes marcas compreendam a relevância da Amazônia e invistam aqui, movimentando não apenas o ecossistema criativo, mas toda a economia local”, conclui André.
Marciele Albuquerque é uma das criadoras de conteúdo que fazem parte do portfólio da Vem do Norte, ao lado de Maickson Serrão, conhecido como Pavulagem. Além deles, a agência conta com outros 18 creators. Juntos, considerando a publicação de um Reels por cada um, o alcance total do conteúdo chega a 10.025.100 pessoas impactadas.
Puxirum
Partindo da ideia de que é impossível ocupar espaços sozinhos, a Vem do Norte realizou a primeira edição do "Puxirum - Pertencimento", uma imersão dedicada aos criadores de conteúdo da região Norte. O objetivo do encontro foi criar um espaço colaborativo para que influenciadores pudessem se conectar, trocar experiências, elaborar estratégias sociais e ambientais focadas em seus territórios e impulsionar suas carreiras. Uma verdadeira mobilização amazônida para comunicar suas histórias, vivências e fortalecer os laços coletivos.
Influenciadores de várias cidades participaram do encontro, incluindo Manaus-AM, Juruti-PA, Capanema-PA, Vila de Boim-PA, Santarém-PA, Rio Branco-AC, Belém-PA, Parintins-AM e Novo Airão-AM. O evento proporcionou momentos únicos, desde capacitações e atividades práticas até uma imersão no bioma amazônico, onde tiveram contato com experiências culturais e naturais. Para as próximas edições, o objetivo é incluir criadores de todos os estados da Região Norte.
Os participantes visitaram a Fundação Almerinda Malaquias, exploraram o arquipélago de Anavilhanas e participaram de um banho místico de renascimento, um ritual do Povo Yepa Mahsã para pedir proteção, saúde e renovação espiritual, além de apoiar o projeto Amazônia em Pé.
Para a amazonense Camilla Diniz, 36, sócia da Vem do Norte, o evento foi uma oportunidade para conectar talentos, histórias e identidade: "Nossa ideia foi juntar essas pessoas, algumas com quem já trabalhamos há muito tempo, algumas que já têm uma projeção maior e outras que acreditamos muito no potencial, para elas se conhecerem, colaborarem e criarem uma rede de apoio mútuo. O objetivo também é valorizar essa essência nortista, porque muitas vezes, por conta da desvalorização que recebemos fora da região, acabamos perdendo um pouco disso. Queremos impulsioná-los juntos e trazer visibilidade para suas histórias e para o Norte como um todo", explica Camilla.
A COP30
Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — que ocorrerá em 2025 em Belém, no Pará, representa uma oportunidade única para colocar a Amazônia no centro das discussões globais sobre mudanças climáticas, biodiversidade e desenvolvimento sustentável. No entanto, mais do que apenas participar desse cenário, é fundamental que os nortistas sejam os protagonistas dessa trajetória.
Com esse objetivo, a Vem do Norte criou uma série de ações estratégicas para fortalecer o papel dos criadores de conteúdo da região, potencializando suas vozes e narrativas no cenário da COP30. Como explica Victor, a agência também está iniciando parcerias com marcas de grande porte, como a Meta, para fortalecer essa mobilização.
"Mesmo com ações de grandes empresas independentes, a agência estará presente como porta-voz desses movimentos, utilizando a força da comunicação e influência para ampliar os diálogos e impactos do evento. Usar a ferramenta que cada influenciador tem na palma da mão para dar visibilidade a essas ações e conectar realidades é fundamental," explica.
Por meio de narrativas autênticas e experiências locais, esses influenciadores têm o poder de destacar desafios e soluções específicos da região, evidenciando relatos de resistência, preservação ambiental e saberes ancestrais.
"Queremos ser referência desde o início, para que o protagonismo seja nosso e que não cheguem apenas equipes externas para ocupar esses espaços. Temos muitos nortistas talentosos, prontos para liderar esses momentos," conclui Victor.
Além da COP30, outros eventos importantes como o Festival Folclórico de Parintins e o Global Citizen farão parte desse calendário estratégico. Esses marcos exigem planejamento antecipado e representam grandes oportunidades para destacar a Amazônia e seu protagonismo no cenário global.