O teclado digital 'Linklado' é um dos 10 finalistas da 65º edição do Prêmio Jabuti no eixo Inovação, na categoria Fomento à Leitura. O aplicativo reúne caracteres especiais e combinações de diacríticos, que atende a mais de 40 línguas indígenas, e foi pensado e desenvolvido por amazonenses.
A ferramenta, idealizada por Samuel Minev Benzecry e Juliano Portela, contribui e fomenta a literatura em línguas indígenas. Segundo os criadores, o aplicativo surgiu da demanda, em virtude de diversas línguas indígenas estarem excluídas da revolução digital por terem em seu vocabulário caracteres especiais, como ʉ, ɨ, g̃, ʉ̈̃ e i̇̂, que estão de fora da maioria dos teclados físicos e virtuais.
A ausência foi notada por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que encontravam dificuldades para produção de livros e cartilhas nessas línguas.
“Eu espero que o Linklado facilite escritores, diagramadores, editoras e gráficas a publicarem mais livros em línguas indígenas. A minha maior expectativa é que o Prêmio Jabuti seja um canal para o Linklado chegar ao conhecimento dos usuários, ou seja os falantes das línguas indígenas”, afirma a pesquisadora Noemia Kazue Ishikawa.
O aplicativo foi lançado em agosto de 2022, na banca do Largo São Sebastião, no Centro de Manaus. E "Embaúba: uma árvore muitas vidas" é o primeiro livro impresso utilizando o Linklado e tem traduções para as línguas Magütawa (Tikuna), portuguesa, japonesa e inglesa.
A pesquisadora ressalta a quebra de paradigma que houve na criação do aplicativo. “Nossa história com o Linklado mostra que a solução pode vir de qualquer lugar, idade, nível de escolaridade. O importante é dialogar entre todos, falar com os jovens, ser ouvido por eles e principalmente ouvir o que eles tem para falar. Foi assim que aconteceu. Se ganharmos o Prêmio Jabuti, o Samuel e o Juliano provavelmente serão os mais jovens a receber a premiação”, conta.
Como funciona
Nos aparelhos Android, o Linklado substitui o teclado padrão do dispositivo com uma versão alterada que inclui os caracteres especiais, além de uma tecla que contém todos os diacríticos, que podem ser adicionados à letra anterior. Por exemplo, primeiro digita-se a letra u, depois clica-se sobre a tecla com o diacrítico, produzindo, então, ʉ̀.
Já no Windows, o sistema introduz uma pequena janela que permanece sobre a tela, somente com os caracteres especiais e os diacríticos. Desse modo, o usuário pode utilizar o teclado comum junto com o software do ‘Linklado’.
O aplicativo Linklado já está disponível gratuitamente na Play Store e na Windows Store, em uma versão adaptada para computadores.
"O problema foi levantado por nós do Inpa, mas quem trouxe a solução foram dois jovens manauaras ainda estudantes do ensino médio. Estou muito feliz, porque passei 14 anos buscando uma solução para facilitar a elaboração de livros em línguas indígenas, e muitas pessoas nem entendiam o que eu queria" (Noemia Kazue Ishikawa - Pesquisadora do Inpa)
Premiação
Noemia Kazue Ishikawa fala do sentimento e do reconhecimento do projeto estar entre os finalistas do prêmio. “Estou muito feliz porque passei 14 anos buscando uma solução para facilitar a elaboração de livros em línguas indígenas e muitas pessoas nem entendiam o que eu queria. Quando os meninos criaram o Linklado, conversei com as respectivas mães para explicar a grandeza do feito dos filhos, mas elas não tinham dimensão. Agora, acredito que estando entre os finalistas, elas e todos tenham a dimensão da importância do Linklado”, afirma.
Já a pesquisadora Ana Carla Bueno avalia que o aplicativo é uma contribuição para a “Década das Línguas Indígenas" no Brasil, movimento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com participação de vários povos indígenas do mundo.
“Hoje a escrita pode ser um instrumento de poder nas mãos dos próprios indígenas. A possibilidade de escrever na língua materna é uma das maneiras de mantê-las em uso, sobretudo entre os jovens. Ter o Linklado entre os finalistas do Jabuti para mim é possibilitar que o Brasil reconheça a sua diversidade linguística e que respeite os falantes destas línguas”, finaliza.
Os vencedores do Prêmio Jabuti serão conhecidos em cerimônia no dia 5 de dezembro, no Theatro Municipal de São Paulo.
Membros do projeto ‘Linklado’
O Linklado é formado pelos estudantes Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela, e as pesquisadoras do Inpa, Ana Carla Bruno, Ruby Vargas Isla Gordiano, e Noemia Kazue Ishikawa. O projeto também conta com a participação de: Marinete Almeida Costa (Tukano/Ye’pâ-masa), Josmar Pinheiro Lima (Tuyuka/Utãpinopona), Kaina Bruno Brazão, Rafael Estrela Freitas, Laura Corrêa Cavalcante, Odalis Ramos, Rosilene Fonseca Pereira (Piratapuia/Waíkhana), Rosilda Maria Cordeiro da Silva (Tukano/Ye’pâ-masa), Dagoberto Azevedo (Tukano/Ye’pâ-masa), Cristina Quirino Mariano (Tikuna/Magüta) e Dulce Maria Barreto Tenório (Tuyuka/Utãpinopona).
Para Cristina Quirino Mariano, o Linklado está mudando completamente a forma como os indígenas se comunicam entre si usando a tecnologia. "Quando eu escrevia em Português, meus parentes não entendiam direito. Então eu mandava mensagens só no áudio, na minha língua. Agora com o Linklado eu consigo escrever com todas as letras e eles entendem bem. E falei para eles baixarem o Linklado também, agora a gente escreve tudo na nossa língua e a conversa ficou melhor”, diz.
“Usando o Linklado também tive a chance de trabalhar como tradutora de livros, o que me ajuda a ter uma renda extra e fazer livros na língua do meu povo Magüta (Tikuna). Por isso, acho que o Linklado merece ganhar o Prêmio Jabuti, porque traz tecnologia para o povo indígena”, acrescenta Cristina.