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Terreiros de matriz africana em Manaus enfrentam barreiras para acessar isenção do IPTU

Apesar de a lei assegurar isenção de IPTU aos templos, terreiros em Manaus seguem arcando com o imposto — e essa despesa impacta diretamente o funcionamento e a missão comunitária

O valor do IPTU retira recursos que poderiam ser investidos nos terreiros

Em Manaus, terreiros de religião de matriz africana enfrentam barreiras burocráticas e custos tributários que comprometem sua dinâmica de culto, acolhimento e moradia comunitária — mesmo com a imunidade tributária assegurada por lei. A Constituição Federal (Art. 150, VI, “b”) garante que imóveis pertencentes a templos de qualquer culto fiquem isentos de IPTU — o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Em âmbito municipal, a Lei Municipal nº 956/2006 de Manaus regulamenta esse direito para imóveis “usados exclusivamente para fins religiosos”.

Um inquérito civil instaurado pela Ministério Público Federal, em 23 de junho deste ano, aponta que as exigências da prefeitura podem configurar discriminação indireta contra os terreiros — comunidades tradicionais de matriz africana — que tentam garantir a imunidade.

Impacto do IPTU na rotina dos terreiros

Quando a isenção não se efetiva, o imposto pesa no cotidiano das comunidades. O valor do IPTU retira recursos que poderiam ser investidos em rituais, reformas, acolhimentos ou até nas despesas domésticas do terreiro. “Pagar o IPTU atrapalha… muitas vezes a gente precisa tirar de outra conta, de outro compromisso”, afirma a sacerdotisa Nochê Orny de Oxum Opará. De acordo com ela, esse recurso tem impacto direto na função social e religiosa do terreiro — que atua também como espaço de escuta, cura e acolhimento gratuito da comunidade.

Burocracia, formalização e desconexão entre lei e prática

A advogada especializada em Direito Constitucional e Tributário, Luciana Santos (OAB 16.118/AM), afirma que “a lei fala qualquer culto, abrange todas as denominações religiosas” — inclusive os terreiros. No entanto, segundo ela, “o problema não está no texto da lei, mas na dificuldade de acesso a esse direito”.

Entre os entraves mais citados estão: ausência de CNPJ, imóvel alugado (o que exige renovação de imunidade a cada contrato) e a comprovação de atividade exclusiva. Em muitos casos, o terreiro não se enquadra no padrão que a regulamentação exige — e acaba excluído de um direito que está formalmente garantido.

A dinâmica dos terreiros — moradia, culto e acolhimento — desafia o modelo tradicional de “imóvel usado exclusivamente para fins religiosos” e cria uma questão a ser debatida. Enquanto isso, o custo do IPTU permanece como barreira estrutural que impacta o funcionamento comunitário. Para essas comunidades, o desafio não é apenas legal, mas profundo: trata‑se de reconhecimento de uma forma de vida religiosa e territorial que vai além das categorias convencionais. Se a regulamentação se adaptar à realidade dos terreiros, não apenas a imunidade se tornará acessível, mas também se reconhecerá o valor sócio cultural e espiritual dessas comunidades para a cidade.

Ação efetiva

Como forma de enfrentar essas barreiras e ampliar o acesso à imunidade tributária, o Instituto Ganga Zumba, no âmbito da iniciativa Amazônia de Cores e como atividade que compõe os preparativos do Balaio da Oxum, está desenvolvendo um guia para apoiar terreiros na formalização jurídica e na solicitação de isenção do IPTU. O material será elaborado com apoio de especialistas, reunindo orientações acessíveis para emissão de CNPJ, organização documental e trâmites legais. O guia será disponibilizado gratuitamente, com o objetivo de fortalecer a autonomia dos terreiros e garantir o acesso a direitos assegurados por lei.

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