Na longa travessia pelas ruas de barro do Morro da Liberdade até chegar à cadeira de vice-governador, cargo que ocupa hoje, o garoto Bosco Saraiva carregou muita lata d’água na cabeça e leu livro com a luz de lamparina. Cedo descobriu que as manifestações populares, como o Carnaval, por exemplo, seriam a rota de fuga para sair das condições pobreza, sair do anonimato e “ser alguém na vida”, como cobravam seus pais. A vida é generosa com que a enfrenta com coragem e determinação. De diretor de um bloco de Carnaval, o Reino Unido da Liberdade (futura escola de samba), ele deu um salto para a carreira política que iniciou em 1990 se elegendo vereador. Depois foi reeleito para mais três mandatos. Prova de sua incrível capacidade de articulação política é que, nas três vezes em que foi vereador, presidiu a Câmara Municipal de Manaus.
Em 2014, foi eleito deputado estadual pelo PSDB de Arthur Virgílio, com 22.822 votos. Na eleição suplementar de 2017 foi eleito vice-governador, na chapa de Amazonino Mendes (PDT), para um mandato tampão.
Ele só não sabia que receberia do veterano político a missão mais espinhosa de sua vida: dar um jeito na segurança do Estado, um barril de pólvora prestes a explodir, numa cidade tomada pela violência, criminalidade, roubos, assaltos, rebelião em presídios, guerra de facções e todos os tentáculos do narcotráfico.
Bosco aceitou acumular a Secretaria de Segurança e vem fazendo, mesmo admitindo não ser nenhum expert em segurança pública. Nesta entrevista ao Blog do Mário Adolfo, ele garante que em breve a cidade vai volta a “dormir tranquila”, diz que pode repetir a dobradinha com Amazonino ao governo e não descarta disputar o Senado. “Se nem uma coisa nem outra derem certo, está na hora de voltar para casa”, dispara.
CONFIRA A ENTREVISTA
BLOG DO MÁRIO ADOLFO – Administrar a segurança de um estado mergulhado em onda de violência e criminalidade é o maior desafio de sua vida?
BOSCO SARAIVA – É. Na vida pública este é o meu maior desafio, afora administrar a minha infância e adolescência no Morro da Liberdade. Pular a fogueira do descaminho no Morro da Liberdade e eu consegui pular. Na vida púbica, administrar a segurança no estágio atual em que se encontra o sistema de segurança do Brasil, é, sem dúvida nenhuma, outro grande desafio.
BMA – O que leva um político sem nenhuma formação técnica no setor, ou experiência nessa área, aceitar um tarefa tão espinhosa?
BS – A posição em que eu ocupo agora. Sendo vice-governador do Estado, dirigindo portanto um cargo majoritário, inclui também aceitar minha parcela de responsabilidade diante e um grave problema enfrentado pelo Estado. E a segurança publica é um desses problemas. Portanto, assumir especificamente a pasta da segurança foi somente um detalhe daquilo que já estava dentro do contexto geral da participação que o Amazonino me permitiu ter na administração do Estado como um todo.
BMA – O senhor acha que está vencendo esse desafio?
BS– Acho que os números são favoráveis. Todos os índices de criminalidade em todos os sentidos vêm caindo de outubro para cá. Não são apenas em relação aos homicídios, latrocínios, furtos, roubos… mas em todos os setores os índices estão caindo, de outubro para cá.
BMA – O senhor tem alguma estatística em mãos indicando isso?
BS – Todas estatísticas revelam isso. Você vê, os homicídios da cidade de Manaus, em comparação ao mesmo período do ano passado, são menores. E isso se deve à atuação da polícia. E isso não tem segredo, foi voltar a polícia pra rua, restabelecer o patrulhamento, o cuidado da Polícia Militar com as ruas, com as casas das pessoas. Coisa que ainda estamos implantando, porque nós ainda vamos implantar na zona Sul e zona Oeste da cidade o restante do patrulhamento permanente.
BMA – Isso significa aumentar o efetivo de homens e viaturas?
BS – Serão mais 100 viaturas. Isto é, 100 a mais do que circula hoje.
BMA – E quantas viaturas compõem esse efetivo?
BS – Hoje nós temos 150 patrulhas circulando na cidade de forma permanente.
BMA – E homens, quantos trabalham nessas operações permanentes?
BS – Uma média de 10 a 12 homens por patrulha.
BMA – Além das desigualdades sociais, como a falta de educação, o desemprego e a miséria, o narcotráfico é principal raiz da violência urbana, do banditismo e do crescimento do crime organizado. Como senhor pretende enfrentar esse mal da nossa sociedade?
BS – Com a inteligência da polícia. O que se trabalhou mais na SPP foi no fortalecimento do setor de Inteligência. Houve um fortalecimento dos investimentos nesse setor. Isso facilitou em muito as abordagens seguras. Foi um tiro certeiro no tráfico. Nós demos uma quebrada boa nos traficantes de drogas.
BMA – Qual o volume de drogas apreendido em sua gestão, que tem somente cinco meses?
BS – De outubro para cá, nós apreendemos algo em torno de oito toneladas, o que pode ser considerado um volume grande. Isso faz parte de uma estratégia montada no ano passado pela “Operação Tarrafa”. Isto é, jogava a rede e pegava o que vinha. Somente no início do ano, foram três toneladas, porque a partir do dia 1º de janeiro a Inteligência trabalhou de forma mais amiúde que nós convencíamos chamar de operação Alegoria Proibida (uma referência ao Carnaval), que era atacar a distribuição da droga, o recolhimento do papelote no ponto de distribuição, isto é, na boca de fumo. Foi assim que conseguimos fazer grandes apreensões.
BMA – O Amazonas é um corredor do narcotráfico devido às nossas fronteiras com a Colômbia, Peru e Venezuela. Sabendo disso, porque nunca atacamos essas portas de entrada de drogas, o que teria impedido que impedindo que as facções crescessem tanto como cresceu no Estado?
BS – O crescimento do crime organizado é uma realidade no Brasil inteiro. Houve um avanço dessas facções em várias cidade do País. E não apenas no Amazonas. Isso é um conjunto de situações. Vai desde o afrouxamento da regra legal e, em muitos casos, se protege mais o bandido que a população. Por exemplo, é triste você ver a policia fazer um esforço enorme para prender em flagrante muitos bandidos e, dois dias depois, uma audiência de custódia colocar esses criminosos na rua, de forma livre, leve e solta. Eu que estou à frente do sistema escuto todo santo dia o lamento dos profissionais de segurança em reação a esta situação. Mas, no contexto geral, o sistema prisional tem regras de afrouxamento que não deveria ter, porque quem está confinado e recolhido da sociedade é porque transgrediu e tem que cumprir sua pena. Afinal, aquilo lá é um presídio e portanto, só poderia sair quem cumpriu a pena. Adicionado a isso houve uma agravamento da situação sócio-econômica do País , o que faz com que cada vez mais a periferia fique dependente do traficante. É uma corrente de ouro, um tênis, uma calça jeans de marca e quem oferece isso, na verdade é um traficante.
BMA – Mas isso é o peixe pequeno. E os peixes grandes?
BS – O peixe grande precisa ser combatido com as ações do governo. Você vê que nós estamos no auge das discussões da tomada de consciência do Brasil em relação a isso e da República, da corte tomado consciência a ponto de criar um ministério para a segurança pública. Enfim o governo federal acordou para o tema que é o que mais incomoda o brasileiro no tempos presentes que é a falta de segurança.
BMA – Toda vez que é realizada uma inspeção nos presídios são apreendidas armas brancas, armas de fogo, drogas e celulares. Qual a porta de entrada disso? Existem suspeitas de que são os próprios agentes públicos que facilitam a entrada. O senhor admite isso?
BS – Essa é uma das teses defendidas. É verdade que a cada revista são encontrado estoques. Alguns deles são fabricados lá dentro. Armas brancas, de fogo. Não só nos presídios da capital, como também no interior. Sem dúvida nenhuma a facilitação é dada por aqueles que trabalham no sistema.
BMA – Como o senhor pretende combater isso?
BS – Com um maior rigor no controle. Voltando a contar com o retorno do agente penitenciário do Estado. Porque o que houve foi um caminho desmedido para a privatização. Todo o sistema penitenciário do Amazonas foi privatizado. O que levou a essa situação, não digo de descontrole, mas que levou a uma situação de privatização total dos serviços, Isso não é possível porque o preso está custodiado pelo Estado. E a presença do estado é ínfima no dia a dia nesse modelo de privatização dos presídios. O que o Estado vai fazer? Vai realizar concursos para agentes penitenciários e gradativamente retornar controle dos presídios para a mão do Estado..
BMA – Quanto o estado deve economizar com o fim da privatização?
BS – Calma, para que isso aconteça precisamos primeiro vencer todas as etapas do processo, o que já está acontecendo. Mas, hoje, o estado gasta em torno de R$ 8 milhões/mês com o sistema prisional. Todos os estudos dão conta de que será bem mais barato retornar ao modelo antigo do agente penitenciário, feito diretamente pela secretaria de administração penitenciária.
BMA – O governo pretende construir um novo presídio?
BS – Sim. Já estão em em processo de construção os presídios de Parintins e Manacapuru. O de Maués está sendo retomado. Há um déficit muito grande de presídios no interior do estado. Existem situações em que os presos de justiça estão nos distritos policiais, nas delegacias. E isso não pode continuar assim. Parte desses investimentos, na verdade, são recursos federais que estão disponíveis para a construção de novos presídios. E o nosso objetivo é que eles sejam construídos com a maior brevidade.
BMA – Algum deles é de segurança máxima?
BS – Não. Isso não é necessário. Os presídios do Amazonas têm boa segurança, São modelos que garantem a segurança…
BMA (interrompendo) – E como o senhor explica àquela rebelião no Compaj, em janeiro de 2016, onde foram massacrados 60 detentos? Além das constantes ocorrências de fuga?
BS – Aquela rebelião foi resultado de um afrouxamento total da regra. Era um pensamento de recuperação de presos que, em grande parte, não têm recuperação, porque estão apenados em razão de latrocínios, crimes hediondos. Então há de se ter uma separação por cada tipo de crime para poder promover esse tipo de restauração da pessoa para devolvê-la à sociedade. Como manda a regra legal, como estabelece a Lei. O que houve é que com o avanço na desordem dentro do presídio, os mandamentos passaram a ser exatamente os das facções no dia a dia, até que houve o confronto mortal naquele fatídico Réveillon. Aquilo foi uma preparação que já vinha acontecendo de algum tempo. Era previsível, porque foi se criando “xerifes” que desfilavam ali dentro, com guarda-costas e áreas de conforto inadequadas, conforme se comprovou. Quando chegamos ao governo em outubro, definimos claramente o que está na Lei. Cumprimos exclusivamente a Lei. Não deixaram de acontecer às visitas, mas têm hora. Não deixou de acontecer o banho de sol, mas tem hora definida para banho de sol. Não se deixou de fornecer alimentação, que continua sendo de boa qualidade, mas para tudo tem que se haver disciplina. Até aqui a ordem está reposta nos presídios do Amazonas.
BMA – E na revista na entrada das visitas, o que mudou?
BS – Implementação o boddy-scanner, que é o raio-x de entrada. E a tendência é que esse sistema seja implantado de uma forma geral em todos os presídios, para que realmente haja um controle mais rigoroso. Isso é simples. Da mesma forma, instalamos as salas para transmissão de imagem e áudio, para que aconteçam os julgamentos por teleconferência, que é que já está instalado em todos os presídios da cidade de Manaus, em parceria com o TJAM . Portanto, não haverá mais a necessidade do deslocamento do custodiado para o fórum.
BMA – Como tem sido a sua rotina de trabalho? O senhor tem acompanhado as operações nas ruas?
BS – Permanentemente. Um dos segredos do trabalho redobrado, especialmente da cúpula da segurança. E que estamos atuando juntos. Tanto a Polícia Militar como a Polícia Civil e Corpo de Bombeiros. A violência está nas ruas e é nós temos que estar lá para combatê-la.
BMA – Essas operações acontecem rotineiramente ou nos dias de maior ocorrência, como o fim de semana, por exemplo?
BS – Temos operações todo dia. A ‘Cavalo de Aço’ é que sai de duas a três vezes por semana, dependendo do…
BMA (interrompendo) – O que é cavalo de aço?
BS – É uma operação que sai para a rua com um comboio muito grande. Nesse comboio vai toda cúpula da segurança vai pra rua, para dirigir esse trabalho. Às vezes localizado, às vezes espalhado na cidade. Mas seguindo sempre uma rota que é investigada antes. Como por exemplo, devolver a tranquilidade das pessoas que querem dormir depois das 23h da noite. Principalmente em lugares infetados de barzinhos com música ao vivo. Temos que reestabelecer o limite das 23h.
BMA – O senhor já foi alguma vez ameaçado de morte nesse período? (ligeira pausa para reflexão).
BS – Digamos que isso faz parte da minha função. E eu tenho que andar em carro blindado.
BMA – Qual o futuro político do homem público Bosco Fonseca?
BS – Cumprir a minha missão na secretaria de Segurança, onde faltam implantar alguns programas, o que deve acontecer até 31 de março. E depois seguir em frente, para ver como jerimum se arruma na carroceria do caminhão (risos).
BMA – Como é trabalhar com o governador Amazonino Mendes no atual estágio da vida dele?
BS – Ah! O Amazonino segue sendo o grande timoneiro. Ele é, sem dúvida, o mais experiente dos navegadores. Eu tenho nesse momento a graça de conviver ao lado de quem me ensina os atalhos. “Vá por aqui”. E eu vou pelos atalhos. Já não percorro mais aquela longa estrada para chegar ao objetivo. Reuni um pouco da minha maturidade, do meu amadurecimento na gestão pública e na vida política, como a imensa sabedoria do Amazonino. Eu confesso a você que tenho tirado muito mais dele do que oferecido. Ele é um homem que oferece muita segurança quando fala das coisas do governo. Então, ele ainda tem muito a contribuir com o Estado.
BMA – O senhor pretende um dia chegar ao cargo de governador? Isso é um horizonte?
BS – Não. Eu não pleiteio isso. Eu dou um passo de carda vez. Sinceramente e dou um passo de cada vez. Se o Amazonino for candidato eu vou colocar meu nome para ser seu vice. Se não houver espaço eu disputarei o Senado. Se nenhuma das duas posições der certo, está na hora de voltar para casa. Já lutei muito, desde os 12 anos.
BMA – Uma mensagem para os amazonenses que esperam por ações mais rígidas para conter a violência e a criminalidade que toou cota da cidade de Manaus?
BS – Eles voltarão a dormir tranquilos, tenham a certeza. Existe um sentimento e uma vontade política muito grande na gestão desse governo, para devolver o Estado à normalidade.
FOTO: BRUNO ZANARDO/ SSP
***