Segunda geração da família empresarial Bemol-Fogás que teve como fundadores seu pai Samuel e seus tios, Israel e Saul, o empresário amazonense Jaime Benchimol, 60, gosta de lembrar que em 1960, no Amazonas, cerca de 10% da população economicamente ativa trabalhava na indústria e hoje esse número é de cerca de 7%. Embora a população hoje seja 10 vezes maior que naquela época, em termos proporcionais, curiosamente havia mais empregos industriais no passado. Não que ele ache que estávamos melhor no passado ou que seja contra o modelo Zona Franca de Manaus.
Ao contrário, Jaime acredita é necessário continuarmos lutando para preservar o modelo atual que gera vendas de mais de US$25 bilhões e não tem substitutos para ele nos próximos dez anos. No entanto, observa que é impossível ignorar que uma das consequências nefastas do modelo ZFM foi o fato de termos perdido a iniciativa de liderar para conduzir o nosso próprio destino.
– Durante cinco décadas nos limitamos a usufruir das vantagens fiscais da ZFM sem buscar novas alternativas econômicas –, diz.
O atual presidente do Grupo reconhece que o Polo Industrial de Manaus é uma indústria limpa que ajudou o estado a conservar 98% da floresta intacta, mas admite também que esse “é um recorde mundial que está nos custando caro”.
– Sugiro uma meta para preservar 95% da floresta liberando assim espaço para maior aproveitamento dos recursos naturais – aconselha o empresário, alertando que é“imperativo mudar essa postura com urgência ou seremos condenados a fracassar dentro de cinco a dez anos”.
Jaime Samuel Benchimol tem 60 anos, estudou no Colégio Estadual D. Pedro II e cursou Ciências Econômicas na Universidade do Amazonas em 1975 tendo em 1976 se transferido para a Universidade de Miami, Flórida, EUA onde se formou em 1978. Em 1980, concluiu o Mestrado em Administração de empresas (MBA) pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA. Iniciou suas atividades profissionais em 1980 como diretor de Benchimol, Irmão e Cia. Ltda. (Bemol) e Sociedade Fogás Ltda., empresas que preside atualmente. Lecionou Micro-Economia e Economia Monetária na Universidade do Amazonas de 1981 a 1989.
Sua gestão no grupo Bemol-Fogás, que atualmente emprega 3.000 funcionários, tem sido marcada pela continuidade, expansão e aprimoramento do trabalho pioneiro da primeira geração de fundadores que iniciaram a organização em 1942. Jaime sustenta que a ética empresarial tem sido um dos mais importantes valores culturais da organização Bemol-Fogás “que se orgulha de recolher correta e pontualmente a totalidade dos impostos, encargos e contribuições devidas, destacando-se há mais de 15 anos dentre os principais arrecadadores de impostos estaduais e federais da nossa região”.
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Blog do Mário Adolfo – Como o senhor analisa o atual processo econômico do Amazonas? Nós éramos mais felizes no ciclo do extrativismo e não sabíamos?
Jaime Benchimol – A ZFM criou um grande ciclo de prosperidade no AM nos últimos 50 anos e quase todos nós que vivíamos em Manaus tivemos muitas oportunidades para crescer. Nossa família e nossas empresas foram beneficiárias desse processo. Como amazonenses devemos ser muito gratos ao Brasil por ter nos contemplado com as vantagens da ZFM a despeito de continuarmos isolados do ponto de vista de infraestrutura pela falta de estradas e de instalações portuárias de qualidade. Contudo durante cinco décadas nos limitamos a usufruir das vantagens fiscais da ZFM sem buscar novas alternativas econômicas. Pior ainda, gradualmente abandonamos outras atividades que tínhamos antes de 1967 como juta e malva, castanha, borracha, sorva, madeira, óleos essenciais, pesca e peixes ornamentais, couros e peles e outros produtos extrativistas que eram inclusive beneficiados e industrializados no Amazonas. Aos poucos essas atividades foram se tornando pouco atraentes e com elevado grau de risco em razão das restrições ambientais. Gosto de citar o fato que em 1960 cerca de 10% da população economicamente ativa trabalhava na indústria e hoje esse número é de cerca de 7%. Embora a população hoje seja 10 vezes maior que naquela época, em termos proporcionais, curiosamente havia mais empregos industriais no passado. Isso não significa dizer que estávamos melhor antes do que agora, mas evidencia que a capacidade de geração de empregos e criação de renda do modelo industrial atual é limitada e está se enfraquecendo.
BMA – Foi correto sepultar o extrativismo ou o que tinha que ser feito foi feito e isso “é coisa do passado”?
Jaime Benchimol – Penso que para que o modelo seja sustentável devemos compreender as nossas vocações. Turismo, mineração, extrativismo, piscicultura e alguns tipos de agricultura além das indústrias que possam agregar valor a essas atividades e fazem parte dessas vocações para as quais podemos ter vantagens comparativas de longo prazo. Por exemplo, ignorar o potencial de produção de madeira de qualidade e seus derivados no Amazonas parece um erro, assim como não me conformo em recebermos um número tão pequeno de turistas ou de não conseguirmos aprovar atividades de mineração por questões ambientais. É preciso rever a nossa relação com o meio ambiente saindo da posição de preservação radical atual para uma que contemple os interesses das futuras gerações e também da geração de hoje. Nenhuma das atividades mencionadas acima isoladamente será capaz de substituir o modelo atual do PIM, que precisa ser conservado com todas as nossas forças, mas tampouco podemos ignorar o imperativo de mudança e de atualização do modelo atual.
BMA – O senhor costuma dizer que a bancada do Amazonas foi “heroica” porque conseguiu manter a duras penas o modelo da Zona Franca de Manaus. O senhor acha que esse modelo está desgastado?
Jaime Benchimol – Ao contrário do que ouço com frequência, julgo que nossos políticos foram muito competentes em manter o modelo atual em funcionamento e com razoável competitividade para vender para o mercado brasileiro. Se considerarmos que temos uma das menores bancadas no congresso nacional, acho que nos saímos muito bem no cenário político, em parte porque a indústria da ZFM é uma indústria limpa e ajudou o estado a conservar 98% da floresta intacta, um recorde mundial que está nos custando caro. Sugiro uma meta para preservar 95% da floresta liberando assim espaço para maior aproveitamento dos recursos naturais. O nosso modelo ZFM, além de gerar empregos tem sido pródigo em gerar impostos estaduais e federais abundantes o que tem permitido sustentar máquinas públicas infladas e ineficientes que precisam ser revistas. O Estado tem baixa vocação para pesquisa e desenvolvimento tecnológico pela falta de estrutura educacional e científica. Por isso as chances do modelo industrial se transformar em um modelo de inovação e alta agregação de valor são pequenas no futuro, na minha opinião. Nesse sentido o modelo atual está desgastado pela baixa perspectiva de crescimento.
BMA – Com uma visível redução na oferta de empregos e na produtividade, a Zona Franca é aquilo que se esperava de um modelo econômico de 50 anos ou algo saiu errado?
Jaime Benchimol – Essencialmente ficamos limitados a atrair indústrias que se beneficiam das isenções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II) e deixamos de trabalhar para criar viabilidade para outras atividades industriais e de serviços. Na prática fizemos muito pouco além do que nos foi concedido pelo Decreto Lei 288 que criou a ZFM. Todos nós, governantes, eleitores, empresários e consumidores somos responsáveis por essa falta de ação. É imperativo mudar essa postura com urgência ou seremos condenados a fracassar dentro de cinco a dez anos. Desperdiçamos o período de maior prosperidade econômica e da maior entusiasmo empresarial e agora teremos que fazer mudanças com muito menos recursos. Uma das consequências nefastas do modelo ZFM foi o fato de termos perdido a iniciativa de liderar para conduzir o nosso próprio destino.
BMA – O senhor costuma dizer que as maiores ameaças aos produtos no nosso Polo Industrial de Manaus (PIM) estão dentro do celular. O que realmente significa isso?
Jaime Benchimol – Sim, além dos desafios que mencionei anteriormente temos o grave desafio da obsolescência tecnológica do nosso parque com a convergência das tecnologias digitais para dentro do telefone celular. Cerca de 50% da atividade do Polo Industrial de Manaus está concentrada na produção de televisores, aparelhos de som, vídeo games, calculadoras, máquinas fotográficas, computadores, notebooks, tablets, GPS etc. Praticamente todos esses segmentos estão se tornando gradualmente obsoletos e estão migrando para dentro do smartphones. Pergunte-se, por exemplo, quando foi a sua última compra de uma máquina fotográfica ou de um notebook? Mesmo que produzíssemos todos os smartphones vendidos no Brasil (hoje produzimos pouco mais da metade) isso não seria suficiente para compensar a perda das demais indústrias especialmente porque o valor agregado na era digital está muito mais no software, com os Apps, do que nos hardwares propriamente e praticamente não produzimos softwares aqui.
BMA – Até hoje, volta e meia, nossos caciques políticos têm que ir a Brasília para “salvar a Zona Franca”. Isso até já virou um jargão. Não está na hora de procurar outra saída econômica para o Estado?
Jaime Benchimol – Penso que todas as vezes que tivermos que ir a Brasília para buscarmos uma solução para nossos problemas há algo de errado. O que precisamos é encontrar nossas próprias soluções aqui mesmo dentro das alternativas mencionadas e melhorando o ambiente empresarial. Entretanto temos que continuar lutando para preservar o modelo ZFM atual que gera vendas de mais de US$25 bilhões e não temos substitutos para ele nos próximos dez anos.
BMA – Que saídas seriam estas? O Polo madeireiro, mineral, a biotecnologia, o turismo a indústria farmacêutica, outros? Analise que caminho o Amazonas terá que seguir para fugir da eterna dependência da Zona Franca.
Jaime Benchimol – Além das alternativas mencionadas, vale estudar países como Cingapura que foi criado apenas em 1965, dois anos antes da ZFM, e que nesse período se tornou um país de primeiro mundo partindo de uma base de poucos recursos. Cingapura está 3o ao Norte do equador enquanto nós estamos 3o ao Sul e assim temos clima e vegetação muito parecidos. Nesses pouco mais de 50 anos eles fizeram o porto mais eficiente do mundo, criaram excelentes instituições e uma estrutura governamental eficaz que atraiu investimentos estrangeiros, construíram um dos melhores jardins botânicos do mundo, aquário, orquidário, zoológico, parques temáticos, casinos e outras atrações turísticas. Levaram a sério a educação bilíngue e a necessidade de uma cultura de disciplina, estudo e trabalho para obter sucesso. Estudar esse modelo, que abraçou o capitalismo e a livre iniciativa como ponto de partida, seria um bom começo para reposicionarmos estrategicamente o Amazonas.
BMA – O senhor assumiu as empresas da Benchimol & Irmãos com quatro lojas, em Manaus. Hoje, quantas elas somam e quantos colaboradores o grupo emprega?
Jaime Benchimol – Sou parte da segunda geração da família empresarial Bemol-Fogás cujos fundadores, meu pai Samuel e meus tios Israel e Saul, nos deixaram um excepcional legado através de empresas com marcas bem posicionadas e valores empresariais preciosos como integridade, respeito, energia, economia e melhoria contínua. Com a dedicação e ajuda dos nossos sócios, diretores mais de 3.300 colaboradores conseguimos multiplicar o número de lojas e de clientes e nos posicionar como a maior arrecadadora de impostos no ramo comercial no Amazonas por 20 anos consecutivos. Na Bemol temos 21 lojas em quatro estados e na Fogás temos hoje mais de 1.300 revendedores em seis estados da Amazônia. Ficamos felizes em demonstrar que mesmo em um país com tantos impostos e excesso de leis e normas é possível prosperar cumprindo com nossas obrigações com a sociedade. Confio que conseguiremos dar continuidade a esse legado através das próximas gerações no futuro.
BMA – Qual a fórmula para essa expansão, num o país onde a economia oscila a cada mudança política?
Jaime Benchimol –Não creio que exista uma única fórmula pois há muitas empresas de sucesso que trilharam caminhos diferentes. No nosso caso atribuo nosso sucesso a dois fatores essenciais: disciplina no desenho de boas estratégias empresariais com aceitação de inovações e construção de uma cultura empresarial que tem a integridade e o respeito como pilares centrais.
BMA – Do jogo de loteria ao gás de cozinha, passando por eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e até material escolar. A diversificação de produtos é o segredo do negócio?
Jaime Benchimol – Se considerarmos que nosso grupo empresarial tem 75 anos, penso que não somos muito diversificados. Atuamos essencialmente em dois segmentos apenas: distribuição do gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha) e varejo de utilidades domésticas. Dentro do varejo, recentemente ampliamos um pouco o nosso mix de produtos com a inclusão de farmácias, produtos automotivos e um pouco de material escolar. As loterias ajudam a tornar as lojas um destino de compras.
BMA – O Grupo Bemol é uma empresa familiar?
Jaime Benchimol – Sim, somos uma empresa familiar com estruturas de governança em funcionamento como conselho de administração, conselho de família, código de ética, acordo societário, etc que convive em harmonia e que hoje tem 21 sócios, todos descendentes dos irmãos Samuel, Israel e Saul Benchimol.
BMA – Vez por outra o senhor é convidado para entrar na política e disputar um cargo onde possa colocar seu conhecimento de gestor e de economista a serviço do Amazonas. Que resposta vem dando a esses convites?
Jaime Benchimol – Fico feliz por ser lembrado com alguma frequência, mas sempre agradeço ao convite e respondo que não tenho vocação para a política. Minha principal contribuição à sociedade é através da vida empresarial com a prestação de bons serviços aos nossos clientes, o pagamento correto dos impostos, a criação de empregos de qualidade, a realização de novos investimentos na região e a busca do merecido retorno ao acionistas que, em última análise, são os que tomam o risco da atividade empresarial.
BMA – Pelos exemplos que temos assistido, ainda é possível ter esperanças em uma saída política para o Brasil?
Jaime Benchimol – O Brasil passa por um momento difícil em que a esperança que os jovens tem no futuro está sendo questionada e isso preocupa bastante. Reclamamos dos políticos, mas continuamos a eleger aqueles que representam os conceitos que condenamos como o favorecimento, o empreguismo, as promessas impossíveis de cumprir, o estado grande e assistencialista etc. É hora de reconhecer que esse modelo promoveu a estagnação e fracassou em todo o mundo. O modelo que triunfou foi o modelo capitalista baseado em estados pequenos e eficientes, impostos baixos, liberdade para empreender e para competir, pouca regulação, economia aberta para o mundo e para a inovação.