A exibição do programa “Domingão com Huck” no último domingo (27/7) reacendeu um debate sensível sobre pertencimento cultural e apagamento de origens. Ao receber a cantora Fafá de Belém no palco, o apresentador Luciano Huck afirmou que a música “Vermelho” — interpretada pela artista — seria uma representação da cultura paraense. A declaração gerou uma enxurrada de críticas nas redes sociais, especialmente por parte dos amazonenses.
"Fafá de Belém gravou uma música que achou que virou um hino da cultura paraense", disparou Luciano Huck,. "E virou hino do Benfica, time de Portugal", completou Fafá.
A música em questão, “Vermelho”, foi composta por Chico da Silva em 1996 para o Boi-Bumbá Garantido, de Parintins (AM), e é considerada uma das toadas mais emblemáticas da cultura amazonense e parintinense. Tornou-se, desde então, uma espécie de hino não oficial do boi encarnado e da manifestação folclórica mais importante do Norte do país.
“LucianoHuck precisa urgentemente aprender sobre a cultura do Norte”, escreveu a internauta Jess (@jessicapopoff_), em uma das postagens mais compartilhadas após o episódio. “‘Vermelho’ é uma TOADA do Boi @garantido e, portanto, um símbolo da cultura PARINTINENSE/ AMAZONENSE”, completou, evidenciando a indignação com o que muitos consideraram um ato de invisibilização cultural.
não é a primeira vez que cometem um erro do tipo. não tem nem desculpa, pra uma emissora que quer transmitir o festival...
— Pitanga azulada 💙⭐️ (@intothebreeze) July 28, 2025
Mas a Fafá também deveria ter corrigid na hora né? Mas se duvidar vermelho é o maior hit dela pic.twitter.com/HyXCOhw0dB
O próprio autor da música, Chico da Silva, se manifestou nas redes sociais. Em uma publicação carregada de emoção e firmeza, ele relembrou a origem da toada: “‘Vermelho’ é toada de boi. É a alma do @boigarantido. É cultura popular do Amazonas em forma de arte.” Segundo ele, embora a interpretação de Fafá de Belém tenha ajudado a popularizar a canção nacionalmente, é fundamental que se reconheça sua origem em Parintins.
A repercussão escancarou uma ferida antiga: a recorrente apropriação ou apagamento de elementos culturais em nome de uma generalização que privilegia visões externas. Como reforça Chico da Silva em sua nota, “‘Vermelho’ é Garantido. É Amazonas. É Parintins. É o batuque da arena, é a paixão do curral, é o povo encarnado em festa.”
Fafá de Belém, por sua vez, não foi alvo direto das críticas, mas também recebeu menções por não tem corrigido o apresentador. A maioria das manifestações exaltou sua contribuição para a projeção nacional da toada, mas reiterou que o reconhecimento da origem é inegociável.
A polêmica também escancarou, mais uma vez, a força da cultura parintinense na internet e a vigilância do povo amazonense diante de qualquer tentativa de distorção. Como escreveu Chico da Silva, com gratidão e firmeza:
“Com a força que só quem já gritou ‘Garantido!’ sabe", afirma Chico no Instagram.

'Eu não notei o que foi falado'
A cantora Fafá de Belém respondeu ao autor na própria postagem, reconhecendo a importância da origem da música e pedindo desculpas pelo equívoco. Ela explicou que “Vermelho” marcou profundamente sua carreira desde que a ouviu pela primeira vez na voz de David Assayag, e que desde então passou a homenagear o Garantido sempre que podia. Fafá destacou ainda que recentemente, no Festival de Parintins, emocionou-se ao ver o Boi encarnado homenageando a própria toada em sua apresentação.
“Peço desculpas por não ter notado, e não quero que esse episódio apague uma história de carinho recíproco que tenho com o Garantido”, escreveu Fafá. Em sua mensagem, ela reforça que a escolha da música no programa foi feita com amor e gratidão, e não com a intenção de desinformar ou apagar a origem da obra.
Com respeito e afeto, Fafá conclui sua nota reafirmando sua admiração pelo boi e sua relação de carinho com a cultura de Parintins: “Com carinho, gratidão e respeito. Fafá.” A resposta ajudou a amenizar parte das reações e foi bem recebida por muitos internautas, que reconheceram o gesto da artista de reconhecer a importância da origem e do autor da obra.
