O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao novo coronavírus foi autorizado pelo governo federal, no dia 27 de março, para pacientes graves com Covid-19, mas divide a opinião da comunidade médica e científica. O conceituado cardiologista Roberto Kalil Filho, do Hospital Sírio-Libanês, admitiu que que tomou cloroquina durante o tratamento da Covid-19 e defendeu o uso do medicamento em pacientes que estão hospitalizados, mas a opinião não é unânime.
Em Manaus, o médico infectologista Marcus Barros, alerta que ainda é preciso esperar o resultado de estudos científicos feitos por instituições sérias como a Fiocruz para saber se a droga efetivamente funciona. Marcus tem autoridade para falar sobre a possibilidade de prescrição da droga no tratamento da Covid-19.
Pesquisador da Fundação de Medicina Tropical na área de saúde ambiental, instalou e dirigiu o núcleo original da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Manaus, que é hoje o Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane. É especialista em Leishmaniose – doença provocada por ratos –, ele descobriu a Pentamidina, droga que cura os portadores da enfermidade com apenas cinco injeções, contra a média de uma centena de ampolas de outros medicamentos injetáveis.
Ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ex-presidente do Ibama, o médico atuou profundamente na política estadual, em pesquisas para combater doenças tropicais, além de criar o Museu Amazônico para a preservação da cultura dos povos da Amazônia Ocidental; o Centro de Ciências do Ambiente; e o Centro de Artes Hannehman Bacelar. É membro da New York Academy of Science e da Academia Amazonense de Letras. Fez pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto de Medicina Tropical, no Japão. Em meio a tudo isso, Marcus publicou o Atlas "Espaço e Doença – Um olhar sobre o Amazonas"; coordenou a expedição científica Rio Negro/Rio Branco que resultou no livro: "Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas - Da borracha à biodiversidade".
Nesta entrevista ao Blog do Mário Adolfo, o amazonense de Eirunepé opina sobre o debate de usa da cloroquina, da forma como o Brasil e as grandes potências subestimaram o perigo do coronavírus. Ele também fala que, apesar dos alertas, acredita que foi um erro o Brasil não valorizar a presença de médicos cubanos, como fez a Itália e avalia as lições que devem ficar depois da época de trevas que o pais está vivendo com a Pandemia.
Confira a entrevista
Blog do Mário Adolfo – Dr. Marcus Barros, o senhor aconselha, como médico infectologista, o uso da cloroquina no combate à Covid-19?
Marcus Barros, médico infectologista do Amazonas – Para se usar uma droga, mesmo de uso frequente, em doença onde ela ainda não foi usada, deve-se testá-la com metodologia científica. Ela somente pode se constituir em política pública do Ministério da Saúde, após essas observações. Apesar da tentativa "heróica" do uso da hidroxicloroquina na Pandemia, ela dever ser testada, primeiramente.
BMA – Alguns profissionais da medicina, como o cardiologista Roberto Kalil Filho, do hospital Sírio Libanês, defendem que a droga seja ministrada em Pacientes que estão hospitalizados. O senhor concorda?
Marcus Barros – O Dr. Roberto Kalil é um respeitável cardiologista. Sua área de concentração, ao que eu sei, não é a infectologia. Essa ideia de usar a droga em pacientes graves é um desespero de todos nós. A base foi de testes "in vitro" e a observação em humanos foi feita em pequeno grupo de pacientes, em Marselha, na França. É pouco. Precisamos de maior observação, sistematizada.
BMA – Os estudos iniciais sobre a cloroquina tiveram início no Amazonas ou apenas foram aprofundados pela Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado?
Marcus Barros – Os estudos iniciaram em Marselha, França. Como o Amazonas tem larga experiência no tratamento da malária pelo "Plasmodium vívax", o professor Marcus Lacerda (pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado e Fioocruz) lidera um grupo de pesquisadores que analisa a ação da droga no Covid19 em pacientes internados no Hospital Delphina Aziz.
BMA – O Brasil poderia ter se preparado melhor para esse momento ou foi pego de surpresa?
Marcus Barros – As autoridades brasileiras não acreditaram, inicialmente, na gravidade da epidemia. Somente instalada a pandemia foi que, ditas autoridades, deram início às ações. Algumas, ainda hoje, não acreditam na pandemia, mesmo com as terríveis evidências É a luta entre a vida e os sucessos da economia (ganho eleitoral futuro).
BMA – A pandemia do novo coronavírus colocou a nu o quadro da saúde no mundo, até em Países desenvolvidos tecnológica e economicamente como EUA, China, França... e outros?
Marcus Barros – Não só os brasileiros "fecham as portas depois de roubados", mas também as grandes potências. Essas não valorizaram a experiência com outra pandemia, de altíssima letalidade, "a gripe espanhola", do início do século passado.
BMA – Foi um erro acabar com o Mais Médicos e mandar os cubanos embora? Estariam somando aqui, não?
Marcus Barros – Quanto à bravata de fazer retornarem os médicos cubanos, há que se fazer uma autocrítica. A Itália soube valoriza-los.
BMA – Que lições deveremos aprender quando passa a pandemia do novo Coronavirus?
Marcus Barros – Devemos sempre ter muita humildade. Devemos também valorizar mais a vida. A educação, a informação e a comunicação são armas fundamentais de combate aos grandes agravos em saúde pública. A Economia existe para dar dignidade e vida melhor à toda população. Os tomadores de decisão devem ter mais competência e ouvir a ciência, sempre.