O ex-líder estudantil João Pedro Gonçalves, que deu trabalho a reitores, governadores e prefeitos nos anos 1970 já não tem mais vinte e poucos anos e talvez já não guarde uma surrada bandeira da União Nacional dos estudantes (UNE) ou do PCdoB – seu partido de origem –, na velha mala que trouxe de Parintins, por volta de 1976, quando ainda alimentava o sonho de um “socialismo com rosto humano", alimentado pela “Primavera de Praga”, antes de ser silenciada pelos tanques soviéticos.
Mas, aos 68 anos, João garante que ainda palpita no peito o velho coração de estudante, aquele que “há que se cuidar da vida/ Há que se cuidar do mundo....”. E é isso que o impulsiona a retornar à política a partidária, disputando uma vaga na Câmara Um Municipal, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) depois de já ter ocupado uma cadeira no Senado Federal. “Ainda tem muito sonho a ser realizado, muita estrada a ser percorrida. E essa coisa, que se chama política, ou desejo de servir, “Pode estar aqui do lado/ Bem mais perto que pensamos”, como diz a canção.
Em sua longa jornada, muita história se passou na vida do filho de Parintins João Pedro Gonçalves da Costa. Em 1977, ingressou na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no curso de agronomia. Foi presidente do Centro Acadêmico de Agronomia, presidente do Diretório Central dos Estudantes e também vice-presidente da União Nacional dos Estudantes. vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), João Pedro elegeu-se deputado estadual em 1982. Foi vereador de Manaus de 1989 a 1992, ingressou no Partido dos Trabalhadores (PT) em 1991. Foi candidato a deputado federal em 1998, obtendo a suplência. Em 2002 foi candidato ao governo do Amazonas, ficando em quarto lugar com 5,7% dos votos. Em 2003 foi superintendente do Instituto Nacional de Reforma Agrária, no primeiro governo Lula. Em 2006 coordenou a campanha petista no Amazonas, elegendo-se como primeiro suplente de Alfredo Nascimento. Com a licença deste para ocupar o Ministério dos Transportes, assumiu o cargo de senador de 2007 a 2011.Em junho de 2015, no governo da presidente Dilma Rousseff, foi empossado presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Confira a entrevista:
Blog do Mário Adolfo – Alguns políticos fizeram a trajetória Câmara Municipal / Senado. Se eleito, você vai fazer o trajeto inverso, isto é, senador-vereador. O que te levou a tentar voltar ao começo?
João Pedro, ex-senador e candidato a vereador pelo PT – Eu já fiz esse caminho. Fui vereador e posteriormente fui para o Senado, onde fiquei cinco anos. E lá travamos o bom combate. Fiz parte da bancada que sustentou o governo Lula, que implantou várias políticas públicas no Brasil, como o Fundeb, Bolsa Família, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, de universidades e governadores nos anos 1970-1980 dentre outras. Interessante que comecei a minha vida pública como deputado estadual. Ser vereador de Manaus é da maior importância.
Manaus precisa de uma Câmara Municipal que possa servir e melhorar a vida dos munícipes. Hoje temos uma Câmara silenciada.
Nosso projeto é ter um mandato voltado para tratarmos da cidade, que precisa urgentemente de políticas democráticas, humanas, ambientais e educacionais. Políticas com profundidade e verdadeiramente comprometida com a vida dos que moram aqui.
BMA – Que balanço você faz de sua passagem pelo Senado?
João Pedro – Fiquei no Senado em torno de cinco anos (2007-2011). Considero o mandato positivo. Apresentei Projeto de Lei que destinava parte dos recursos do Pré-Sal para a educação. Outro projeto de Lei foi o da criação da Universidade da Pan Amazônia, com o objetivo de juntar os povos de todos os países que compõem a Pan Amazônia, para estudar este bioma imprescindível para o planeta Terra.
BMA – Houve um tempo em que a Câmara Municipal teve em seu plenário políticos como Fabio Lucena, Jefferson Peres, Serafim Corrêa, Vanessa Grazziotin, Aloisio Nogueira, etc. O que mudou nos últimos anos, que não elegemos mais políticos dessa envergadura?
João Pedro – Além dos nomes que você menciona, acrescento o nome do companheiro Praciano e do próprio José Ricardo (ambos do PT) , que deram importantes contribuições nas esferas municipal, estadual e nacional. Manaus tem uma Câmara Municipal com 41 vereadores, mas constata-se, é fato, que ela vive um momento de um grande silêncio. O que mostra a falta de independência e de compromisso com a maioria da população, que precisa de um transporte público eficiente, decente, de qualidade e seguro. A Câmara deveria apresentar uma política de habitação para as pessoas que não têm moradia em Manaus.
São milhares de famílias nessa situação. Os vereadores deveriam tratar de cobrar e buscar solução para a situação de regularização fundiária da área urbana e rural do município.
BMA – Você foi um militante histórico do movimento estudantil. Hoje temos um governo conservador, de direita, que vem desmontando os avanços em programas sociais do governo do PT, mas os estudantes que , historicamente sempre resistiram, estão em silêncio. O que mudou no “Coração de Estudante”, cantado comoventemente por Milton Nascimento?
João Pedro – Lamentavelmente, estamos vivendo um momento muito particular no Brasil e no mundo, mas nós da esquerda, nós do PT, enquanto organização, estamos na resistência e é preciso entender os movimentos que a própria sociedade faz. Há um brutal desemprego no país. Cerca de 20% da população economicamente ativa está desempregada. Nós estamos sentindo um certo imobilismo da CUT, da União Nacional dos Estudantes (UNE), mas isso não quer dizer que não haja uma movimentação.
Acho que a esquerda e os movimentos sociais vão dar uma resposta ao governo Bolsonaro agora, nestas eleições. A eleição municipal será o momento político dessa resposta. A esquerda está se movimentando com as suas candidaturas a prefeito e a vereadores em todo o Brasil. Eu penso que a gente tem que entender a lógica do movimento político, do andar do conjunto dos acontecimentos. Passamos por uma violência antidemocrática muito grande. Derrubaram uma presidenta. Há uma violência enorme contra a democracia e os direitos sociais da classe trabalhadora. Você vê hoje a Previdência Social, ela não funciona. Ela não está funcionando na prática. Isso coloca em situação de vulnerabilidade o segmento mais empobrecido do país. Essa situação coloca em pânico e o medo toma conta dos trabalhadores e trabalhadoras. É por isso que as pessoas estão na rua, não respeitando, desobedecendo as regras sanitárias. Ele precisa comer, precisa pagar a luz, precisa comprar o pão e aí ele arrisca sua própria vida. Vai para rua fazer um bico, pra sustentar a sua família. Essa é a realidade social e econômica do país. E eu quero lembrar que Manaus é a capital com maior índice de desemprego no Brasil. Então, o Bolsonaro que aguarde. O brasileiro vai dar o troco na hora certa e eu penso que a eleição municipal será este o momento da política em que os estudantes, a dona de casa, a juventude, os ribeirinhos, os povos indígenas darão a resposta pra esse governo tão conservador, reacionário e autoritário.
BMA – Na campanha para eleições municipais de 2012, uma costura de alianças uniu você, Vanessa Grazziotin (PCdoB) e o Omar Aziz, três lideres estudantis dos anos 1970. Já naquela campanha era visível que havia uma cisão de pensamento politico-ideológico. E hoje, ainda é possível unir a esquerda no Amazonas?
O Brasil vive um quase que um vulcão político. Nós temos Lula e Dilma, com o golpe veio o Michel Temer. Temer passou dois anos. Em cinco dias de governo ele congelou os investimentos. Mexeu na Constituição. Fez uma PEC e congelou os recursos da educação e saúde por 20 anos. Agora nós temos um Bolsonaro também fazendo uma política que privilegia o mundo financeiro, as privatizações. Cortou os orçamentos de instituições estratégicas, como o do Ibama, das Universidades, da saúde pública. Então esse é o momento. Em 2012 não tinha isso, era um outro Brasil. Oito anos depois a coisa tá mais complexa e desafiadora. O Omar não é político de esquerda. Ele teve uma origem na esquerda, isso é história, mas hoje é um político de centro, que faz apoio ao governo Bolsonaro. Agora a esquerda tem um papel sim, de se unir nas eleições. Nós estamos num momento de resistência. E resistência não significa imobilismo. Então a eleição é um momento importante de
nós trabalharmos o debate, no sentido de desmascarar o que que é o governo Bolsonaro. Bolsonaro persegue a Zona Franca de Manaus. O Paulo Guedes está diminuindo o papel estratégico da Zona Franca de Manaus. Esta que é a verdade. Então nós estamos na rua.
BMA – O candidato que lidera as pesquisas é o tetra-governador e tri-prefeito Amazonino Mendes. Isso deve ao fato de que o eleitor se decepcionou com o politico “novo”, que elegeu prometendo combater a “velha política” e não combateu?
João Pedro – Temos um palanque muito forte. Eu considero o PT, o PSOL e a REDE formam um importante aliança. O Zé Ricardo é um político preparado. Ele tem uma vice mulher, que também é preparada. É uma socióloga, formada nos movimentos populares. É muito importante isso. Eu lamento profundamente o PC do B não esteja aqui nesse palanque. Mas a esquerda está unida e nós vamos fazer esse enfrentamento contra as velhas ideias. O Amazonino é uma velha ideia. É o patriarcado. Mas vamos travar também o debate com força, com vontade, contra o bolsonarismo aqui em Manaus.
BMA – Qual é foco de seu projeto politico para a Câmara Municipal, dentro da atual conjuntura politica de Manaus?
João Pedro – Os companheiros e companheiras que formam a base de apoio da minha candidatura, nossos apoiadores, nós pensamos e definimos uma proposta. Nós estamos levantando uma proposta que é a Manaus do Bem Viver. É uma atitude, é um pensamento que tem como estratégia valorizar a vida, os seres humanos, as pessoas. Claro que nós teremos outras prioridades no mandato, mas no mandato nós queremos pensar numa outra cidade. Nós temos que romper com essa mediocridade de gestões, principalmente dos últimos prefeitos de Manaus. A gente precisa considerar Manaus com uma cidade no centro da Amazônia, uma cidade que está na margem de dois grandes rios, o Amazonas e o Rio Negro. Manaus é a capital das águas, como é a capital da maior floresta tropical do planeta. Ela é a cidade que pode ser referência mundial do meio ambiente. Nós podemos viver de uma economia dos serviços ambientais. O nosso mandato vai tratar essa questão ambiental sempre, evidentemente, valorizando o ser humano, mas buscando construir um outro momento para cidade de Manaus. Manaus não é uma cidade que está no litoral. Manaus está no centro da maior floresta tropical do planeta Terra. Mas nós queremos tratar de educação. Sem educação, sem conhecimento, não vamos muito longe, então nós precisamos tratar a educação, pois ela é o começo de tudo, mas precisamos começar a tratar a educação é com a valorização do professor. Nós temos que valorizar o professor. É inaceitável que uma cidade rica como Manaus um professor que tem mestrado, com um salário de R$ 1.500,00 ou R$ 1.700,00. Tem que ter um Plano de Cargos e Carreira que defina um salário justo, digno para o professor. É inaceitável que Manaus com 510 escolas e quase 400 escolas de péssima qualidade e que são alugadas, são alugadas. Nós vamos abrir essa caixa preta e ver quem são esses apadrinhados na Prefeitura de Manaus.
Temos que defender uma escola amazônida, uma escola confortável, uma escola onde a meninada, os adolescentes possam conviver com dignidade, dentro desse espaço educacional, pedagógico. Então, assim, o nosso mandato terá uma prioridade para a educação, tratar a cidade e tratar saúde pública, a saúde pública. Nós temos que ter e oferecer uma saúde pública com qualidade, uma saúde com a oferta eficiente de medicamentos, com a presença necessária dos médicos, mas temos que valorizar as enfermeiras e enfermeiros, todos os profissionais de saúde, enfim, nós temos que defender o povo de Manaus. Afinal esta é uma cidade que tem quase 2,5 milhões de habitante.
BMA – Depois de tudo que foi feito para desconstruir e desacreditar o PT em 2016, você acredita que o partido consegue se reconstruir e voltar ao poder?
João Pedro – O PT está vivo. Ele está organizado para disputar as eleições. E você olha Manaus e vê que o Zé Ricardo vem crescendo nas pesquisas. Tá em terceiro lugar nas pesquisas, mas colado ali no Davi. Eu não tenho dúvida que o Zé Ricardo vai para o segundo turno. A Benedita da Silva está disputando muito bem lá no Rio de Janeiro. A Marília Arraes, lá em Recife, está muito bem na disputa. Enfim nós estamos disputando bem nas capitais e em grandes e médias cidades deste país.
Em 2016 foi um ano terrível, ano do golpe, de um grande bombardeio ideológico contra o PT, mas em 2018 fizemos a maior bancada no Congresso. O PT é um partido que segura a pressão, segura a pressão, tem coro grosso. O que a elite, parte da grande mídia do Brasil fez contra o PT nenhum outro partido recebeu tanta porrada, tanta tentativa de desqualificar uma organização política histórica aqui no Brasil. O PT é de esquerda, é um partido popular e vai disputar as eleições. Você vai ver que o PT vai sair fortalecido nestas eleições e nós vamos rumar para 2022, eu tenho nenhuma dúvida disso. Nós não somos melhores, mas somos um partido que tem um projeto, que tem programa, que continua sem dono, a gente continua fazendo debates, discussões e é claro que nós temos os nossos erros, é claro que nós erramos, mas acertamos muita coisa. Mário Adolfo, nós fizemos o que ninguém fez. O bolsa família é uma marca nossa. O Luz Para Todos é uma marca nossa. O SAMU, que funciona todos os dias nas ruas de Manaus, nesse Brasil, foi criação do Lula. Mas a direita não nos perdoa por isso, a luta ideológica continua, está presente, mas o PT, eu quero terminar assim, está ativo e sairá dessa eleição municipal, eu não tenho nenhuma dúvida disso, com a presença muito forte nas câmaras municipais do Brasil e nas prefeituras do nosso do nosso país.